terça-feira, 27 de maio de 2014

SÓ EU SEI PORQUE NÃO FICO EM CASA

A Juve Leo celebrizou em 2002 um cântico de êxtase. "Só eu sei porque não fico em casa..." transformou-se num pedaço de banda sonora de celebração sempre e quando o Sporting obtém sucessos, mais ou menos ocasionais. 

A estrofe é adaptável a múltiplas situações exteriores ao círculo de Alvalade. Em certos casos, como o das eleições europeias, pode no entanto induzir pensamentos erróneos. 

Afinal, a troca do sofá e do convívio entre quatro paredes não é indicativa do exercício do direito/dever de votar. Como na história da pescada, as eleições europeias confirmaram todas as suspeitas: a maioria dos portugueses esteve-se nas tintas para a escolha nas urnas dos seus 21 representantes entre 751 no próximo Parlamento Europeu, permutando o exercício da preferência por um passeio à beira-mar ou pelos corredores dos centros comerciais. "Que se lixem as eleições!" foi a palavra de ordem orientadora.

Os números dos abstencionistas são, com certeza, alvo de várias interpretações. Dos 9 696 473 portugueses recenseados (244 849 no estrangeiro), ter-se-ão de descontar os falecidos (quantos?) ainda não descarregados dos cadernos eleitorais, mais umas centenas de milhares de desafiadores de uma nova vida nos últimos anos, optando pela busca de uma "zona de conforto" na emigração. Mais ou menos subjetiva, esta quantificação de ausentes não tapa o essencial: o divórcio dos cidadãos da generalidade do mundo da política - e particularmente o desagrado vincado pelo recuo de que dá mostras a solidificação de um projeto de modelo social europeu.

Sintomático de indiferença e na antítese do protesto ativo pela via dos votos nulos ou brancos, o abstencionismo nas eleições europeias é tanto mais preocupante quanto o país vive há três anos um figurino de protetorado e subjugação aos ditames do FMI e de duas entidades europeias - o BCE e a Comissão Europeia -, as quais manterão por muitos anos o protagonismo e o poder decisório-condicionante da vida dos portugueses.

Porque marcada por paupérrimas ou nenhumas ideias e diatribes de baixíssimo nível dos principais candidatos ao Parlamento Europeu, a pior campanha eleitoral de que há memória no pós-25 de Abril não ajudou em nada à mobilização dos cidadãos. É verdade. Devia no entanto bastar a degradação das condições de vida, sobretudo dos últimos três anos "troikistas", para que os portugueses tivessem recusado a indiferença.

Legitimados os novos representantes do Parlamento Europeu pela pior das vias - elevado abstencionismo -, seguem-se, como sempre, leituras políticas de cariz oportunista, enviesando-se mesmo os resultados.

Infelizmente, o discurso tradicional dos partidos políticos trará mais do mesmo. Pior será manter-se também a dialética de uma parte substancial de portugueses, sempre dispostos a protestar à mesa do café, mas incapazes de participação ativa nas eleições. Os indiferentes ainda não perceberam o cometimento de um erro crasso: levam por tabela com as decisões dos representantes da minoria votante.

Retirada daqui