A agência de rating Fitch - uma das que, com uma exatidão impressionante, atribuíram notação máxima ao Lehman Brothers dias antes do seu colapso - tornou pública a sua avaliação dos resultados das eleições para o Parlamento Europeu.
A conclusão é enfática: não houve uma "grande penalização eleitoral tendo em conta o nível de austeridade". E, como tal, para a rigorosa e desinteressada agência as eleições de domingo vieram "reforçar o mandato dos governos da periferia para as reformas".
E no caso da Grécia a Fitch sublinha que os 8% da coligação liderada pelo PASOK "deverá garantir alguma estabilidade à coligação governativa no curto prazo".
Justiça seja feita à agência de rating: diz ao que vem. E mostra lealdade aos seus peões no terreno da governação europeia. Para estes suportes da política de austeridade que tem devastado a Europa, tudo deve ser feito para dar suporte político, por agora ao centro, à continuação da política de transferência de rendimento do trabalho para o capital.
Estão pois confirmados os encarregados de conduzir as próximas fases da liberalização económica e da implosão social na Europa: serão os liberais e os sociais-democratas, em combinações de geometrias diversas. É essa definição que faz as lideranças de Bruxelas ensaiar o discurso em que a vitória do Syriza na Grécia ou da Frente Nacional em França são "vitórias dos extremos". Tudo quanto não é centro é extremista, truque simples: a política conduzida pelo centro é ela mesma extremista e causadora consciente de uma hecatombe económica e social sem precedentes na história da União Europeia.
Esta estratégia da confusão, que mistura o que é politicamente oposto para traçar uma fronteira de um centro mais pequeno e mais entrincheirado, recorre à qualificação retórica de "eurocéticas" de todas as forças que não se reveem no caminho seguido pela integração europeia desde Maastricht e da criação da moeda única nos termos que são conhecidos. A terminologia não é ingénua: o rótulo de eurocético traz consigo a acusação implícita de se ser contra a Europa porque, num outro implícito mais subtil, só haverá um modo de se ser verdadeiramente amigo da Europa: alinhar com as políticas de austeridade determinadas por uma União Económica e Monetária deliberadamente assente em regras de destruição do modelo social europeu.
O que as eleições de domingo disseram foi que, na verdade, a crítica a este modo de ser político e económico da União Europeia cresceu. Mas cresceu com sentidos politicamente muito diversos. A vitória do Syriza na Grécia é uma vitória de uma esquerda que luta tenazmente contra a austeridade e, em simultâneo, por uma solidariedade europeia contra o uso das dívidas como armas de punição das periferias internas da União. Está nos antípodas da ascensão de forças que fazem da xenofobia ou da nostalgia nacionalista o seu suporte discursivo essencial.
Há pois um ceticismo crescente, mas politicamente muito heterogéneo sobre a Europa da austeridade. Que as agências de rating e as instituições europeias não queiram saber das suas causas e anunciem a perpetuação do centrão como seu desígnio político principal e insistam em dar-lhe como mandato essencial o cumprimento do tratado orçamental é algo que faz antecipar turbulência acrescida na política europeia.
A Europa continua a ser um terreno de intensa disputa política, em todas as escalas que ela inclui, agora mais que antes.
Esse é um desafio irrecusável.
José Manuel Pureza, aqui