segunda-feira, 28 de abril de 2014

REFLEXÕES EM TEMPO DE LUTO

"Eles não podem falar, mas deixam a lição de que a vida deve ser pensada. Seja em praxe ou fora dela, devemos encontrar novas formas de convívio que nunca ponham em causa a vida humana". 

Foram estas as palavras do arcebispo primaz de Braga quando, na passada sexta-feira, presidia à missa das cerimónias fúnebres de um dos três universitários que esta semana perderam a vida. Em Ribeira de Pena, na missa do funeral de outro dos jovens que pereceram, o bispo de Vila Real dizia, mais ou menos à mesma hora, que esta é "uma oportunidade para rever tradições". Assim é.

Compreende-se que os estudantes realizem atividades de acolhimento dos seus novos colegas, ditos caloiros, no arranque de cada ano letivo. Compreende-se que os estudantes organizem festejos e celebrações no final do ano letivo. Compreende-se que num ou noutro momento a sua juventude e irreverência os transportem para lá da linha do aceitável. O que não se compreende é que, após tantas tragédias e tantos avisos, nada se altere, como se viver a vida tenha necessariamente de passar por negar a vida. 

Por muitos prós-e-contras, debates ou processos judiciais, aqueles que organizam e, quem sabe, lucram com as tradições académicas mantêm-se firmes no propósito de varrer para debaixo do tapete, insistindo num paradigma de risco e escondendo-se sob a imensa mentira de que quase todos os caloiros aderem a estas práticas. É falso. O dito consentimento mais não é do que uma prática de condicionamento sistemática, uma versão universitária do bullying.

Quantas mais mortes serão necessárias para acabar com esta vergonha? Depois do Meco, cuja culpa vai, como habitualmente, morrer solteira, também a tragédia de Braga vai cair na classificação desculpabilizante do "acidente". É claro que foi um acidente. É claro que os jovens que treparam ao muro não sabiam do risco de ruína. Mas também é claro que não é suposto subirem pessoas para aquele local. E é um facto que os que ficaram na parte de baixo e que, infelizmente, pereceram eram estudantes do primeiro ano, os caloiros.

A minha tese é muito simples: chamem-lhe praxe, integração ou apenas brincadeira, o termo agora adotado pelos envolvidos quando há problemas, mas aquilo que está em causa é um quadro sistemático de comportamentos de risco, inadmissível quando se atenta aos protagonistas e à escala do fenómeno. Um acidente pode ou não acontecer a qualquer um. 
Mas se alguém decidir atravessar a rua todos os dias com os olhos fechados ou conduzir pelo lado errado da estrada, então é absolutamente certo que haverá acidente, só não se sabendo quando. Dito de outra forma, a frequência e gravidade dos acidentes com estudantes universitários só deixarão de ser preocupantes quando estes eliminarem os comportamentos de risco. O divertimento sem risco é possível!

Em tudo isto há um conjunto de pessoas que, de forma obscura, vão manietando os estudantes e as associações académicas como se fossem simples marionetas. Integram pseudoestruturas como "comissão de praxe" e "cabido dos cardeais" e assumem cargos como "dux" e "papa", mas, na verdade, não foram eleitos nem representam ninguém. Não poucas vezes refletem tudo o que é negativo na comunidade estudantil, quer porque acumulam orgulhosamente matrículas (chumbos) quer porque são conhecidos pela frequência da sua embriaguez.

A pergunta que se impõe hoje é: haverá esperança para uma mudança que não passe por uma extensa campanha punitiva? Não vejo uma resposta clara, face aos sinais contraditórios que vou captando na academia. Quando há um ano um estudante da Universidade do Porto foi assassinado em pleno recinto das festas académicas, na tentativa de resistir a quatro assaltantes armados que irromperam pelas bilheteiras do queimódromo, a decisão dos estudantes de manterem o programa de festas deixou-me chocado e sem esperança. Como foi possível?! Pois este ano, na sequência das três trágicas mortes e ainda a um par de semanas do início das Monumentais Festas do Enterro da Gata, a Associação Académica da Universidade do Minho decidiu-se pela sua suspensão. 

Um sinal de esperança.

Este é um país em que os presidentes das associações académicas do Ensino Superior se afirmam pela organização das festas, sejam elas de receção ao caloiro, da queima das fitas ou do enterro da gata. Pois o presidente da associação de estudantes minhota corre o risco de ser recordado como aquele que teve a coragem e a decência de cancelar as festas num momento de pesar.

José Mendes, aqui