sexta-feira, 25 de abril de 2014

O 25 DE ABRIL MERECIA MAIS

Os factos são singelos. O Parlamento convida sempre a Associação 25 de Abril para a sessão comemorativa da revolução democrática. 

Desta vez, a Associação respondeu que estaria presente se o seu presidente pudesse intervir. A presidente da Assembleia reagiu desabridamente. Confrontada com o desagrado público que provocou, pediu uma reunião com a Direção da Associação, nas suas instalações. Levado o assunto à Conferência de Líderes, não se registou o consenso necessário para que a pretensão de Vasco Lourenço pudesse ser acatada. 

A Associação 25 de Abril decidiu, da sua parte, marcar para a mesma hora da sessão parlamentar uma iniciativa pública, no Largo do Carmo, onde Lourenço promete proferir o discurso que faria aos deputados.

O 25 de Abril não merece isto. Isto é muito pequeno, demasiado pequeno para o 25 de Abril.

Na substância, Assunção Esteves tem razão. A sessão solene em São Bento é um ritual político, que obedece a regras próprias. Como todos os rituais, tem virtudes e defeitos.

Os discursos não costumam primar pela qualidade e trocam demasiadas vezes o registo institucional que deveria ser o seu pela mais rasteira demagogia. Já muita gente protestou a necessidade de mudar o figurino da sessão, tornando-a mais apelativa. Quando se passa à fase das propostas concretas, rapidamente se percebe que elas não existem, para lá de umas tantas excentricidades que felizmente ninguém acolhe.

Oponto é que a finalidade da sessão solene não é ser "apelativa". Quem pretender coisas "sexy" tem de procurá-las noutro lado. No Parlamento, não se pode escapar a estes dois princípios básicos: é a casa dos eleitos do povo; e é a casa da palavra. Nele falam os eleitos, porque foram eleitos.

A Assembleia da República tem, a meu ver, razão em negar à Direção da Associação 25 de Abril uma pretensão que, a ser aceite, a colocaria num plano de equivalência com os partidos políticos, a presidente do Parlamento e o presidente da República. Por muito que a Associação possa reclamar ser a representante direta dos militares que derrubaram a ditadura e defenderam a democracia, essa equivalência não existe.

No entanto, Assunção Esteves só se pode queixar de si própria. A sua primeira reação, quando se disse que "o problema é deles (militares abrilistas)", pecou por arrogância. A segunda, quando se deslocou ela própria e a seu pedido às instalações da Associação, não respeitou o seu estatuto de segunda figura do Estado. O barroquismo e a ambiguidade não chegam para desempenhar elevadas funções públicas.

Sem colocar Vasco Lourenço ao nível de Cavaco Silva (coisa que nenhum deles merece, diga-se), o Parlamento poderia recorrer a outros meios (de que dispõe e já usou) para enriquecer as comemorações deste ano especialmente simbólico, 40 anos passados sobre a madrugada libertadora. E, nessas outras iniciativas (sessões na sala do Senado, colóquios públicos, Parlamento nas escolas, parcerias com instituições, etc.), a Direção da Associação 25 de Abril e outros militares envolvidos no processo democrático podiam e deviam ter o protagonismo que merecem.

Assim, uma guerra de alecrim e manjerona vai diminuir o significado político da manhã da próxima quinta-feira. À mesma hora em que, com honras militares e na presença das embaixadas estrangeiras, presidente e deputados discursarão por causa e a partir do 25 de Abril, uma manifestação popular que não é difícil prever concorrida denunciará os desvios cometidos e os retrocessos verificados e colocar-se-á em oposição ostensiva à instituição parlamentar.

Nada tenho contra o primeiro objetivo, que é cada vez mais necessário, tal a regressão que estamos vivendo. Mas tenho contra o segundo: o Parlamento, composto pelos deputados que o povo livremente escolheu, na pluralidade das forças políticas que habitam o país, é o lugar por excelência da democracia. Isto é: o filho maior do 25 de Abril.

Retirada daqui