sexta-feira, 4 de abril de 2014

É A VIDA, SIM. MAS ISTO NÃO É VIDA

É um truísmo dizer-se, como se diz à boca cheia, que os sinais animadores libertados pelos índices através dos quais se mede o andamento da economia ainda não chegaram ao bolso dos portugueses.

O espaço dos nossos bolsos antes ocupado por moedas e notas está agora cheio de ar - e assim continuará por muito tempo, parece--me. Aplica-se a mesma lógica às mesas onde a família se senta para jantar: onde antes havia carne e peixe há agora sucedâneos que têm em comum o facto de serem bem mais baratinhos; onde antes havia fruta fresca há agora fruta em compota comprada num supermercado low-cost. Quando há. É a vida. Mas não é vida.

Os números divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre as alterações registadas na Balança Alimentar Portuguesa no período 2008-2012 roçam o drama. O estudo, feito de cinco em cinco anos, assinala uma queda a pique nas disponibilidades alimentares e calóricas. O que quer isto dizer? Quer dizer que os portugueses estão a poupar fortemente na comida e, salvo raras exceções, estão a alimentar-se bastante pior. 

Não é porque queiram. É porque tem de ser. Em 2012, por exemplo, a fruta disponível no mercado recuou para níveis de há 20 anos! As carnes de bovino e suíno baixaram, por seu turno, para níveis de há 10 e 13 anos, respetivamente. Passamos a comer mais aves, mais carne branca, melhor para a alimentação, muito melhor para a parte do orçamento gasto no cabaz de compras.

Diz a bastonária da Ordem dos Nutricionistas, a propósito desta reviravolta na roda dos alimentos: "Esta quebra no consumo [de fruta] pode ter reflexos terríveis na saúde". Este alerta, pintado a vermelho carregado, atira-nos para o sofrimento, o de hoje e o de amanhã. Verdade que, parafraseando Proust, só é possível curarmo-nos totalmente de um sofrimento depois de o termos suportado até ao fim. Sucede que o fim, esse lugar que se encontra no sítio donde partimos para outro lado, não se vê, por muito que nos atirem com os números do otimismo, por muito que nos vendam barata a ideia tola segundo a qual a esperança é sempre a última vítima do carrasco.

Este afundanço nas condições de vida dos portugueses é, claro, tributária da desesperança. É por isso que o tempo é de exigência máxima para quem decide. Chegamos ao ponto em que à fadiga tributária (expressão feliz de Adriano Moreira) se somam todas as outras fadigas, tudo suscetível de nos encaminhar para um estado de anomia e anemia social - e com bilhete só de ida. Até que ponto suportarão os portugueses aquilo que no recato do Conselho de Ministros foi metido no famigerado Documento de Estratégia Orçamental, cuja primeira versão terá já sido apresentada aos nossos vigilantes? 

Os napolitanos dizem que o seu ouro é a paciência, tamanho é o caos em que vivem. A deles não é maior que a nossa. 

Dir-nos-ão, outra vez: é a vida. Sim, mas não é vida.

Retirada daqui