sábado, 19 de abril de 2014

É A LIBERDADE QUE NOS ESTÁ A TIRAR DA CRISE

Há pouco menos de dois anos, Félix Ribeiro, talvez o maior perito português em estratégia económica de longos ciclos, defendeu que a Alemanha estava a desbaratar uma possível salvação europeia chamada... Grécia

Nessa conferência sobre Defesa Nacional, que decorreu no Porto, Félix Ribeiro explicava porquê: o gás! Depois de Israel ter descoberto enormes jazidas de gás no Mediterrâneo, havia fortes indícios de que a Grécia poderia estar na mesma linha de jazidas. Se assim fosse a Europa poderia vislumbrar uma menor dependência face à Rússia ao mesmo tempo que encontrava uma salvação para o mais falido dos seus membros. Pois, está na hora de se tentar perceber se é assim.

Esta crise da Ucrânia contamina o Leste e pode recentrar de novo a Europa no Atlântico, numa altura em que a União Europeia e os Estados Unidos ensaiam um acordo comercial sem precedentes. Teríamos então um mundo mais favorável para o velho Portugal marítimo, a "meio caminho" entre os dois blocos, base comercial/industrial/serviços para os mercados de maior poder de compra do mundo.

Este bloco Europa/América inclui o México e Colômbia, talvez acabe por ter o Mercosul quando lhes passar a onda "Guevarista", tem Israel, e conta na Ásia com o Japão, a Coreia do Sul e provavelmente a Indonésia - para além dos Commonwealth (Austrália, Nova Zelândia e, quiçá, Índia). Ficam na "linha do mal" a China, Rússia e alguns dos países árabes. África permanece como a terra dos chacais económicos: todos atacam as economias indefesas sacando as matérias-primas e mantendo no poder regimes corruptos.

Esta "nova ordem mundial" é recente e só se tornará real através de uma maior eficiência energética e menor dependência do petróleo - coisa que os Estados Unidos (pós-gás de xisto) estão a concretizar. A nova guerra fria, essencialmente económica, com blocos divididos entre democracias/regimes totalitários, está cada vez mais aí.

Do ponto de vista europeu perdem-se algumas coisas pelo caminho - como a Ucrânia e outros estados a que Putin vai deitar a mão. Mas, a prazo, é a Rússia que perde porque uma economia cuja exportação é em quase 75% venda de combustíveis, não pode ter coragem de perder os clientes europeus.

A China, por seu lado, não pode ficar colada a um sócio de nome Rússia e, simultaneamente, for perdendo os mercados ocidentais para onde exporta com valor. A China não pode parar as máquinas nem ter desemprego à escala de centenas de milhões de pessoas com dívidas a bancos pela compra de casa (mas onde é que já vimos isto?).

O ligeiro arrefecimento económico global detetado pelas instituições internacionais está a gerar um "aquecimentozinho" nas economias-refúgio - a dos países desenvolvidos, para onde afluem os capitais que procuram rentabilidade e alguma segurança. O milagre "Mário Draghi" e a reconstrução do euro, pedra a pedra, como uma moeda forte (que ainda por cima pode desvalorizar tornando as exportações europeias mais competitivas) é uma operação de bisturi fino tecido por o melhor estadista que nos apareceu nos últimos anos. Tem sido a nossa sorte.

Isto não estava escrito nas estrelas - ou seja, nas agências de rating. É uma verdadeira surpresa. A nossa classificação de "lixo" não nos tem impedido de conseguir descer no valor dos juros e estarmos a conseguir crédito a pouco mais de 3%. Até a Espanha já está perto de uns impensáveis 1,5% e a Grécia na casa dos 5%. Por seu lado, França e a Itália reconhecem sem tabus a sua própria crise e impotência perante a austeridade.

Falta agora dar sentido à extraordinária vitória da democracia que significa "o regresso dos mercados" a países que, afinal, são "lixo" mas em simultâneo o futuro dos valores da humanidade. É uma vitória também da história dos países mediterrânicos e do arco de liberdade em que vivemos há muitos séculos - e de valorizar, geoestrategicamente, pela distância a vizinhos ameaçadores (como a Rússia). Há um milagre a acontecer à frente dos nossos olhos: chama-se afinal o "Regresso da União Europeia". Só o caos nas nossas fronteiras comuns o torna absolutamente claro.

Retirada daqui