sexta-feira, 14 de março de 2014

NÃO QUERO QUE ME CHAMEM CHULO

A água do mar é salgada. A soma do quadrado dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa. O tabaco é péssimo para a saúde. A Terra é redonda e gira à volta do Sol. E=mc2. Os políticos mentem. O céu é azul. A laranja é rica em vitamina C

É uma ilusão pensar que as exigências de rigor vão desaparecer com a saída da troika (aviso de Cavaco). Para ser sustentável a dívida pública tem de ser renegociada em prazos e juros (lembra o Manifesto dos 70). Um quarto de hora antes de morrer, La Palisse estava vivo. 

Com a primavera, chegam as andorinhas, o tempo aquece, os dias ficam maiores, as flores desabrocham, os cãezinhos começam a andar com as cadelinhas - e um simpático grupo de seniores, preocupados com o seu bife e a sofrerem de falta de atenção, resolveu fazer uma prova pública de vida - que não os dispensa de idêntico procedimento regular junto dos serviços competentes da Caixa Geral de Aposentações, de modo a poderem continuar a receber as suas ricas pensões.

Este inverno foi demasiado rigoroso. Mas parece que o bom tempo está de volta. Em 2013, as exportações aumentaram 9,4%. No último trimestre, o investimento cresceu 2,7% (quebrou jejum de 21 trimestres), o consumo das famílias cresceu 0,6% (1.ª vez em três anos) e até o PIB (mais 1,7%) deu um ar da sua graça! Os indicadores deste ano também são risonhos: mais 21,1% de investimento publicitário (janeiro), mais 8,5% de receitas de portagens, 2,5% de consumo de eletricidade e 40% de vendas de automóveis (1.o bimestre).

Estamos quase a sair dos Cuidados Intensivos, mas temos de ter juízo, pois um bando de andorinhas por si só não faz a primavera e a nossa saúde financeira é ainda muito débil. Ao avisar-nos que o cautelar é a melhor maneira de sairmos do programa de ajustamento, pois sem vigilância externa e uma rede de segurança tendemos a entrar em roda livre, Cavaco foi sábio e oportuno.

Infelizmente, já não se pode dizer o mesmo do Manifesto dos 70, um grupo de socráticos, ex-relevantes e compagnons de route, que no que escreve se resume à lapalissada da renegociação da dívida pública (recordo que o IGCP já renegociou favoravelmente 35 mil milhões) e a uma comparação xenófoba e estúpida, própria de gente fora do prazo de validade, entre Portugal do século XXI e a Alemanha do pós-guerra.

Desconfio que, no fundo, na sua maioria, os 70 transtornados partilham a ideia de Sócrates de que a dívida não é para pagar, olham com inveja a trágica opção grega e estão sempre a perguntar-se o que é que os outros podem fazer por eles.

Tenho um catecismo diferente. Nunca fiquei a dever nada a ninguém e das poucas vezes que tive de pedir dinheiro emprestado cumpri religiosamente os termos acordados com os credores. Gostava que o meu país também fosse assim, uma pessoa de bem, que honrasse a sua palavra e não ganhasse a fama de caloteiro. Não quero chegar ao estrangeiro, dizer que sou português, ser olhado como uma pessoa que vive à custa dos outros e arriscar-me a que me chamem chulo.

Retirada daqui