O CAVALO MECÂNICO
Há quem diga que o meu amigo Alípio é um grande mentiroso. Eu não acredito.
Grande mentiroso não é. Quanto muito, será um pequeno mentiroso, o que faz a sua diferença.
A última história que ele me contou, diz ele que lhe aconteceu na estrada.
Ia a guiar o calhambeque, quando o motor deu um estrondo e parou.
- Estou bem aviado - disse o Alípio, que não percebia nada de mecânica. - Uma avaria destas, no meio do campo, numa estrada sem trânsito?
Pelo sim, pelo não, levantou o capot e pôs-se a espreitar para dentro do motor enfumarado. Que intriga! Olhou em volta. Ninguém que lhe valesse.
Só um cavalo branco, ali perto, a pastar, em sossego. O cavalo relinchou, amigavelmente, e aproximou-se do Alípio e do motor do automóvel. Ao lado do desanimado Alípio, o cavalo debruçou-se para a caixa das geringonças e disse:
- É do carburador.
O Alípio esbugalhou os olhos. Um cavalo a falar? Podia lá ser! Devia ter sido impressão, assobio do vento, sussurro de ramagens? Tudo menos voz de cavalo.
- Já lhe disse que é do carburador - insistiu o cavalo.
Alto, que o caso era grave! O pobre Alípio sentiu-se doido. Ou estaria num sonho?
- O carburador está entupido - sentenciou o cavalo. - Não é coisa grave.
O Alípio desesperou-se e enxotou o cavalo, que meneou a cabeça, resignado. Antes de voltar ao seu pastar pachorrento, o cavalo branco ainda disse:
- Eu bem o avisei que a avaria era do carburador. Se não quer ouvir, é consigo?
Alucinado, o Alípio desarmou o carburador, espreitou lá para dentro e confirmou.
Efectivamente, o carburador estava entupido. Limpou-o o melhor que soube e, assim que voltou a pôr o motor em marcha, a carripana pegou, como se fosse nova. Seguiu viagem e nem sequer agradeceu ao cavalo.
- Que disparate! - dizia o Alípio de si para si, enquanto gritava. - Isto não faz sentido. Foi tudo uma coincidência. Os cavalos não falam. Os cavalos não falam. Os cavalos não falam.
Quando parou, pouco depois, junto a uma bomba de gasolina, ainda repetia o mesmo, vezes sem conta?
- O que é que o senhor está a dizer? - perguntou-lhe o empregado da bomba de gasolina.
Meio atordoado e com imensa vontade de desabafar, Alípio contou ao homem o que acabara de suceder-lhe.
- Era um cavalo branco? - perguntou o empregado.
- Era. Era - respondeu o Alípio.
- Então, teve sorte - disse-lhe o homem. - Porque também anda por aí um cavalo castanho que não percebe nada de mecânica.
Alípio arrancou logo com o carro, sem sequer meter gasolina. Veio a toda a pressa e, assim que chegou a casa, contou-me esta história tal e qual eu aqui a conto. Se é mentira, peçam-lhe responsabilidades a ele.
António Torrado | Cristina Malaquias, aqui