terça-feira, 18 de março de 2014

A HORA DA INJUSTIÇA

Os tribunais serão os responsáveis pela prescrição das multas do BCP em 2015.


As duas caras da Justiça voltaram a revelar-se com a prescrição da multa de um milhão de euros aplicada pelo Banco de Portugal (BdP) a Jardim Gonçalves. Enquanto que a Justiça dos pobres é um exemplo para o mundo (rápida, eficaz e implacável), a Justiça dos ricos costuma desenvolver-se com a velocidade de um caracol e termina com prescrições ou absolvições depois de uma infinidade de expedientes processuais terem permitido a anulação formal das acusações. 

É essa a percepção da opinião pública e é o que irá acontecer, mais tarde ou mais cedo, com as acusações do BdP e da CMVM contra os restantes administradores do BCP e os gestores do BPP. Até Passos Coelho diz o óbvio: trata-se de uma "injustiça" e de "privilégios" que não se justificam.

O BdP e o Conselho Superior da Magistratura envolveram-se numa troca de acusações sob a causa da prescrição - um processo inédito mas saudável. É um facto que o supervisor bancário ficou com a reputação manchada com a sua inacção sobre o caso BPN, mas mal recebeu a denúncia de Joe Berardo sobre a utilização indevida de 17 offshores para manipular o valor de mercado do BCP, acompanhada de vasta documentação bancária, actuou. A investigação demorou apenas um ano, tendo terminado no final de 2008. Já contestação foi decidida pelo regulador em ano e meio, o que se explica pelas mais de 100 testemunhas apresentadas pelos arguidos.

O problema começa no Tribunal de Pequena Instância Criminal (TPIC) - instância que não está minimamente preparada para julgar a criminalidade económico-financeira. Tanto julga processos sumários de um condutor embriagado ou de um pequeno roubo apanhado em flagrante delito como a criminalidade económico-financeira complexa dos casos BCP e BPP. É impossível um juiz perceber a fundo sobre o funcionamento de offshores ou da contabilidade de um banco se a maior parte do tempo for passada a julgar casos de crimes de rua. Por isso mesmo, o TPIC vai perder estas competências para o novo Tribunal da Regulação e Supervisão que será criado no final do ano.

A questão essencial que levou à prescrição da multa a Jardim Gonçalves (e que levará à prescrição generalizada dos restantes casos contra os nove arguidos que restam) reside na anulação do processo por parte do juiz António Hora com base num raciocínio dificilmente adjectivável: a documentação bancária que estava na base da acusação do BdP de falsificação de contas e prestação de informação falsa tinha chegado por via anónima, logo, era nula por ter sido obtida através da violação do sigilo bancário. É certo que o pensamento-tipo dos juízes portugueses concentra-se quase em exclusivo nas formalidades das acusações e pouco ou nada na substância das mesmas, mas se todos os magistrados pensassem como o juiz Hora não haveria investigação aos crimes de colarinho branco.

Anular um processo porque a denúncia é anónima (mas os documentos são verdadeiros, como se veio a verificar) é o ridículo do formalismo processual português. Fazê-lo, como fez o juiz Hora, após 35 sessões de julgamento, exponencia a incompetência manifestada. A decisão, valha-nos isso, foi anulada pela Relação de Lisboa e pelo Tribunal Constitucional mas perderam-se quase dois anos e meio. Foi necessário a Relação de Lisboa obrigar o juiz Hora (entretanto transferido para Loures) a pegar no processo para o mesmo magistrado decidir pela prescrição da multa de Jardim Gonçalves em Fevereiro de 2014.
Não haja dúvidas: as multas aplicadas pelo BdP aos administradores do BCP vão prescrever em 2015 e a culpa é do sistema judicial. Será uma espécie de perdão por incompetência.

Luís Rosa, aqui