Na semana passada, um miúdo de 15 anos enforcou-se numa árvore perto da casa dos familiares, em Adaúfe, Braga.
Dois dias antes havia sido humilhado no pátio da escola: os colegas tinham-no despido e dado “palmadas no rabo”, segundo notícias da imprensa.
É uma notícia terrível. Devastadora para toda a gente, e ainda mais para quem tem filhos ou netos e os imagina naquela situação. Pensar numa criança a ser humilhada à frente de todos, rapazes e raparigas, a ser olhada nos dias seguintes com curiosidade doentia e a ser objecto de sorrisos de gozo ou expressões de comiseração por parte dos colegas, é assustador.
Até porque não se trata de um acontecimento isolado. Sem consequências tão trágicas, todos os dias se repetem episódios semelhantes. Multiplicam-se os relatos de estudantes perseguidos e humilhados pelos colegas em todos os graus de ensino: no primário, no secundário e no superior. Vejam-se algumas praxes universitárias.
Normalmente, as vítimas são os mais fracos psicologicamente - portanto, também os mais vulneráveis aos efeitos da humilhação. Crianças ou jovens sensíveis, como era o caso deste, são mais facilmente levados a cometer actos desesperados.
A juventude é, por natureza, cruel. Os miúdos são implacáveis uns com os outros. Alguns são autênticos predadores sem compaixão. Quando apanham uma presa mais fácil, não perdoam. É inútil pensar que as crianças são estruturalmente boas e pacíficas. Assim, o único caminho para evitar casos destes é restaurar, com firmeza, a disciplina nas escolas.
Eu fiz a então chamada 'instrução primária' e o liceu no tempo do salazarismo, quando o ambiente em algumas escolas era muito autoritário, e sei o que é a repressão. Mas há que distinguir entre 'repressão' e 'disciplina'. Nas escolas tem de se respirar liberdade - mas é imprescindível que ela não se transforme em indisciplina. Porque, aí, a liberdade excessiva de uns transformar-se-á inevitavelmente na perseguição e achincalhamento de outros.
É inegável que a liberdade reconquistada no 25 de Abril teve o seu reverso da medalha na degradação do ambiente em muitas escolas públicas. Os primeiros sinais foram as repetidas faltas de respeito para com os professores. Contaram-me episódios arrepiantes de professoras sexualmente enxovalhadas e de professores objecto de ofensas gravíssimas.
Dentro de certos estabelecimentos de ensino formaram-se verdadeiros gangs.
E, como sempre acontece quando a disciplina se degrada, esta violência dirigida inicialmente contra professores acabou por alastrar, atingindo depois os próprios alunos.
Aos poucos, as escolas tornaram-se locais impróprios não só para aprender mas para frequentar.
Este fenómeno de propagação da indisciplina foi cavando um abismo entre o ensino público e o ensino privado.
Antes, o ensino público era bem mais prestigiado do que o privado. Para as chamadas 'escolas particulares' iam os meninos ricos mas cábulas, que não conseguiam aproveitamento no ensino do Estado. Os bons alunos frequentavam os liceus e as universidades públicas. No Liceu D. João Castro, onde andei, estudavam vários familiares de ministros do regime.
Hoje, a situação é a inversa. As pessoas da classe média, por opção ou por receio, fogem da escola pública e, às vezes com imensas dificuldades, colocam os filhos em estabelecimentos privados. Estes surgem hoje como os únicos lugares onde as famílias acham que podem deixar tranquilamente os descendentes.
As escolas do Estado, sobretudo no ensino secundário, tornaram-se 'vazadouros' onde vai parar toda a gente. Enquanto os estabelecimentos privados têm a prerrogativa de aceitar ou recusar alunos, os públicos não o podem fazer. Estão obrigados a aceitá-los.
Claro que uma escola oficial pode sempre expulsar um aluno por mau comportamento. Mas, como me dizia em tempos um professor, “ao expulsarmos um aluno sabemos que vamos criar um problema aos colegas da escola para onde esse aluno for”. É um dilema complicado. Assim, muitas escolas vão mantendo alunos problemáticos, às vezes autênticos delinquentes, para não atirarem o problema para cima de outra escola.
E com isto cria-se um círculo vicioso. A má frequência do ensino público gera problemas de indisciplina, estes problemas afastam os melhores professores, o nível das escolas baixa ainda mais. As reportagens televisivas da recente greve de professores aos exames de avaliação foram expressivas sobre o nível de alguns docentes.
Em Portugal há muito o hábito de dizer: é preciso estudar este problema… Ora, aqui, o que é preciso é actuar! O problema está detectado, é grave, e há que lhe pôr cobro.
Não se trata de uma questão ideológica - embora haja aspectos de justiça social envolvidos, pois não devia obrigar-se pessoas remediadas a pagar uma escola privada caríssima para os filhos por falta de condições na escola pública. E isto também tem contribuído para as famílias pensarem não duas mas cem vezes antes de decidirem ter filhos...
O ministro Nuno Crato, que é um homem sensato e não se refugia geralmente em grandes tiradas filosóficas, tem de pegar este assunto pelos cornos. O diagnóstico está feito. Não são precisos mais estudos, nem grupos de trabalho, nem relatórios, nem nada.
Há que restabelecer um ambiente de disciplina na escola pública, ponto final! O problema das 'maçãs podres' (ou seja, a impossibilidade de recusa de alunos por parte das escolas do Estado) não é fácil de resolver, mas há que encontrar uma solução para ele - pois não pode admitir-se que meia dúzia de jovens marginais estraguem o ambiente de uma escola inteira.
Quando a indisciplina já faz perigar a própria vida dos alunos, é altura de dizer: basta!
Quando uma família tem medo de mandar um filho à escola porque ele pode ser ridicularizado pelos colegas ao ponto de se suicidar, o Estado tem de actuar.
Em ambiente de indisciplina, uma escola, em vez de ser um local de formação, acaba por ser uma fonte de maus hábitos, maus exemplos e maus costumes. Passa a funcionar ao contrário: deseduca em vez de educar. Torna-se uma fábrica de delinquentes.
José António Saraiva, aqui