COLARES DE PÉROLAS
Joanina e Lionídia eram duas jovens que se preparavam para o primeiro baile.
Vestiam vestidos de seda branca com muita goma e roda, todos enfeitados de lacinhos azuis e cor-de-rosa.
Não haverá hoje raparigas que consintam em usar vestidos destes, mas isto passou-se há muito tempo.
Diante do toucador , ajeitaram ao espelho os caracóis e canudos de cabelo, que as faziam parecer bonecas de porcelana. Sentiam-se lindas. E, efectivamente, sinceramente, estavam.
Chegou a altura dos últimos adornos. Brincos, anéis, pulseiras e um diadema no toucado. Até o espelho pestanejou com tanto brilho.
- Falta o colar - lembrou a Lionídia, enquanto procurava, na sua caixinha de guarda-jóias, o ornamento essencial à perfeição do quadro.
Já Joanina tinha tirado do respectivo guarda-jóias e posto com todo o cuidado ao espelho o seu colar de pérolas, sorrindo, feliz, porque era a primeira vez que o punha. Sentia-se uma senhora, uma dama, um modelo para um retrato a óleo.
Lionídia tinha um colar igual. Ou quase.
- O teu colar é de pérolas falsas - disse Lionídia, olhando de esguelha para o colar de Joanina.
- Como é que tu sabes? - indignou-se ela. - Este colar está na nossa família há várias gerações e sempre foi tomado como verdadeiro.
- É falso. Digo e torno a dizer, porque as tuas pérolas não têm a perfeição nem a transparência leitosa, nacarada, aveludada das minhas.
Isto dito por Lionídia era uma afronta para Joanina.
- E se for ao contrário? - ripostou ela. - Está-me a parecer que as tuas pérolas é que são uma perfeita imitação das minhas.
Enervaram-se. Zangaram-se. Descompuseram-se. Brigaram. Não fosse estarem tão alinhadas para a festa e, quase de certeza, ainda acabariam por se agarrar aos caracóis uma da outra e espatifar os vestidos brancos, engomados e rodados, com lacinhos azuis e cor-de-rosa?
Uma réstia de boa educação e de bom senso conteve-as. Para decidirem de uma vez para sempre qual tinha razão lembrou-se uma delas.
- Só há uma prova a fazer. O vinagre!
Quem não souber que aprenda que o vinagre desfaz as pérolas naturais, as legítimas, as fabricadas com sossego e demora, dentro da concha paciente das ostras.
Muito exaltadas e avinagradas, foram buscar à cozinha uma tigela de vinagre.
- Queres ver que o teu colar pelintra não se desfaz - disse a Joanina à Lionídia.
- A porcaria do teu colar é que não vai desfazer-se - disse Lionídia à Joanina.
O resto está-se mesmo a ver. Dissolveram-se no banho de vinagre as pérolas de ambos os colares. Dissolveram-se no banho de vinagre as pérolas de ambos os colares. Só sobraram para amostra fios e fechos, tão valiosos como duas espinhas de peixe.
E as duas jovens, depois de chorarem muitas lágrimas, abraçadas uma à outra, lá tiveram de ir para o baile sem os seus preciosos colares.
Pobres das ostras que tanto trabalharam a acrescentar, a arredondar e a aprimorar as suas maravilhosas pérolas, para que assim se perdesse o labor de tantos anos num bochecho de vinagre. Dá que pensar.
António Torrado | Cristina Malaquias, aqui