quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

CIGARRAS E TORDOS

Há coisas que o comum dos mortais não percebe: que um cantor, de tão altas famas, Fernando Tordo, usufruindo de uma magra pensão de 200 euros, não tinha outro remédio senão emigrar

Foi a maneira que encontrou para dar uma bofetada no governo, ao abalar para o Brasil, carregado com a sua viola, cheia de queixumes. Cantor de Abril e dos poemas de Ary Santos, eles eram unha e carne, qualquer um sabe que as pensões são definidas em função dos descontos feitos para a Caixa de Previdência ou de Aposentações. 

A culpa é assim dele e de mais ninguém, nem governo nem país. 

Nunca lhe terão faltado nem bons palcos nem espectáculos, digressões, cobrando naturalmente bons cachés. Deveria ter ganho dinheiro, poupado algum e cuidado do futuro. Será que não fez nenhuma destas coisas, esquecendo-se até de descontar o óbvio para a Caixa? Se não o fez, este caso ajusta-se perfeitamente à história das cigarras que cantam de verão e esquecem-se de amealhar para o inverno. 

Não é caso único. Infelizmente, há muitos tordos e muitas cigarras neste país. Casos destes não me comovem. Quando muito, lamento.

Coisas que também não se percebem: que Relvas, ao fim de seis meses de sossego, seja repescado por Passos Coelho para o Conselho Nacional do PSD. Mais um tiro nos próprios  pés, no último dia do Congresso. A votação para a sua eleição que poderia ser histórica, logo se ressentiu. O que podia ser um passeio para quem esteve presente, acabou por ser um banho de água fria, um murro no estômago. 

Mas foi também um sério aviso à navegação. Relvas não é uma mais valia para o partido, é motivo de preocupação para muitos analistas, como Marcelo Rebelo de Sousa, que animou com humor e boa disposição o encontros dos sociais democratas, como para muita gente presente. Passos, por teimosia ou falta de pontaria (também por tontaria!) gosta muito de dar tiros assim, às cegas, sem visor. E logo em dia de festa maior. 

Agora Coelho tem assegurados outros tiros e a certeza da chocarrice da oposição. Maus trapezistas como Relvas que Passos tentou gratificar pelas suas múltiplas habilidades, só podem trazer ao partido mais dissabores, mas o primeiro-ministro é demasiado teimoso, para umas coisas bem, para algumas muito mal. 

Mas há coisas que não lembram ao diabo.

Armor Pires Mota, no 'Jornal da Bairrada' de 27 de Fevereiro de 2014