sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

A OBSESSÃO DOS COLARINHOS BRANCOS

Quase crónicos, défice e dívida do Estado têm gerado uma profusão de receituários de combate marcados no essencial pelo corte de despesas. 

Uma fada do lar não detetaria melhor antídoto para colocar as contas domésticas nos eixos.

Sendo possível reduzir gastos por múltiplas vias, há, apesar de tudo, dosagens de "medicamentação" mais ou menos ideológicas, mais ou menos estruturais.

O processo de ajustamento em curso no país é paradigmático de prioridades vítimas de flutuação, essencialmente anotadas nos sucessivos relatórios produzidos a cada avaliação por duas das três entidades responsáveis pelo chamado memorando de entendimento: o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Comissão Europeia. E os ciclos de análise têm sempre em comum algo de pouco compreensível: a liberalização do mercado de trabalho e a imposição de uma queda de salários.

A tónica da competitividade do país só ser possível pela degradação das condições das garantias de estabilidade laboral e queda do poder aquisitivo dos trabalhadores é, para todos os efeitos, um mau sinal dos tempos - com a particularidade de já se ter chegado a um ponto incomum, o de patrões e sindicatos estarem de acordo no aumento do salário mínimo nacional.

O mais recente diagnóstico realizado pela Comissão Europeia é revelador. Não obstante se reconhecer que desde 2010 o país já fez um ajustamento nos custos de trabalho com uma quebra média salarial de 5,3% (sem setor público já vai nos 6%), ainda assim o receituário proposto é traumatizante. Para a Comissão Europeia, Portugal só é capaz de reduzir o seu défice externo para metade na próxima década se for capaz de proceder a novo recuo dos salários num intervalo entre os 2% e os 5%. Faz impressão....

As maleitas portuguesas decorrem dos salários dos trabalhadores quando já ocupam um modestíssimo lugar no "ranking" - 18.° em 28 países da União Europeia?

A não ser por razões ideológicas, é difícil de compreender a defesa do empobrecimento como fórmula para ultrapassar a crise.

O caso da produtividade é revelador de como há saídas menos penosas para o país adquirir vantagens económicas. E, no entanto, está relegado para plano secundaríssimo das recomendações.

O trabalho/hora em Portugal é responsável por produzir apenas 17 euros contra os 52,6 da Dinamarca, os 44,7 da Suécia ou os 42,6 da Alemanha, contribuintes principais para a obtenção de uma média europeia de 32,2. Só países na ressaca do desmoronamento da antiga cortina de ferro (Hungria, Polónia, Estónia, Lituânia, Letónia ou Bulgária) têm números piores do que os nacionais.

A produtividade é, portanto, um calcanhar de Aquiles da economia lusa, embora haja quem trabalhe muitíssimo, mas mal - o que resulta da incapacidade de empresários e gestores.

Está explicado, enfim, o afã dos colarinhos brancos do FMI e da Comissão Europeia: cortar salários é mais fácil do que imprimir organização empresarial.

Retirada daqui