O universo dos blogues recuperou um
extraordinário texto do ordinário (no sentido não pejorativo do termo) Paulo
Pedroso, antigo ministro da Solidariedade.
O texto, velho de um ano na prática e
de décadas na teoria, é um excelente exemplo dos argumentos por detrás do ódio
ao Banco Alimentar (BA) em geral e à sua presidente, Isabel Jonet, em
particular.
A tese, se tamanha infantilidade merece o nome, é a de que o BA não passa de
um sistema de escoamento dos excedentes dos supermercados, o qual alivia "as
consciências sem resolver nenhum problema estrutural". Através de evidências,
meias-verdades e cabeludas mentiras (os que doam os serviços ao BA não se
reduzem a "escuteiros e toda a rede de voluntários ligada à Igreja Católica"),
só falta ao dr. Pedroso reproduzir a linda rábula do peixe, da cana e do
pescador para concluir, cito, que prefere dedicar a sua "energia" a
"perguntar-se" o que pode "fazer para que diminua este tipo de procura de bens
alimentares enquanto a senhora Jonet escoa a oferta".
Não acredito na bondade "pura". Não me custa aceitar que Isabel Jonet também
se mova por ambições íntimas, incluindo desejos de notoriedade ou outros. A
questão é que, no processo, há pessoas que infelizmente precisam do trabalho da
senhora e dele aproveitam. Em contrapartida, abro uma excepção para o dr.
Pedroso e similares, que possivelmente são guiados pelas melhores intenções e
pelo mais cristalino altruísmo sem que daí resulte qualquer benefício para
alguém - excepto, vejam lá a ironia, os benfeitores.
Agora a sério, mesmo que o dr. Pedroso dificulte a tarefa: não me esqueci do
autor da maior acção de caridade da história do regime. Falo, evidentemente, do
"rendimento mínimo", proeza de propaganda que incluía a "superficialidade"
inconsequente que o dr. Pedro critica no Banco Alimentar sem incluir o
voluntariado que, em prol da coerência, o dr. Pedroso continua a detestar: no
RSI (eufemismo actual), os donativos são arrancados à força.
Domingo, 1 de Dezembro
Independência e morte
Corre por aí uma "iniciativa legislativa de cidadãos" para restaurar o
feriado da Restauração. Por sorte, os comentários que a coisa merece já são
quase todos resumidos no texto que, obviamente em vão, a tenta justificar: "Numa
altura em que Portugal sofre fortes limitações ao exercício da sua soberania, em
razão da situação financeira do País e de compromissos externos celebrados,
importa repor o 1.º de Dezembro e celebrar os valores da independência nacional
e do brio e da liberdade de Portugal como valores fundamentais do Estado, de
toda a sociedade e da Nação."
Em meia dúzia de linhas, os apaixonados da soberania não só exigem a
celebração da nossa independência como reconhecem que a nossa independência não
existe, hoje à semelhança de tantas vezes no passado. Quanto ao "valor
fundamental" do "brio", é muito lindo mas não nunca nos impediu de viver
embalados por miragens e à custa de Brasis, Áfricas e Europas. Por outras
palavras, o estado habitual do Estado, da sociedade e da Nação (com maiúscula) é
a dependência. Festejar o contrário não é apenas descabido: é um embaraço que
devemos evitar com afinco, agora que vamos tarde para evitar a inépcia, a
corrupção, a dívida, o parasitismo e, claro, a troika.
Segunda-feira, 2 de Dezembro
Bola ao lado
Rui Rio presidiu à Câmara Municipal do Porto entre 2001 e 2013. Nesse
período, durante o qual o clube cortou relações com a autarquia por alegadas
desconsiderações desta, a secção de futebol do FC Porto ganhou (consultei a
Wikipédia, o que queriam?) nove campeonatos nacionais, cinco taças de Portugal,
oito supertaças Cândido de Oliveira, uma Taça UEFA, uma Liga Europa, uma Liga
dos Campeões Europeus e uma Taça Intercontinental. Desde que, há poucas semanas,
o novo presidente da CMP, que esta semana visitou o Museu do FC Porto, é um
amigo do clube, um adepto do clube, um sócio do clube e, li algures, um Dragão
de Ouro (parece coisa significativa), o clube mal conseguiu ganhar um jogo.
Coincidência? Sem dúvida, mas também a confirmação alegórica daquilo que, em
última instância, a verdadeira iniciativa privada pode e deve esperar do Estado:
remates à barra, penáltis falhados, erros defensivos. Em suma, uma vergonha,
digna de claques furiosas e archotes.
Quinta-feira, 5 de Dezembro
O reino dos céus
Perante as críticas do Papa Francisco ao capitalismo e aos "mercados", as
pessoas que gostam do Vaticano recordam que isso não é mais do que a costumeira
doutrina social da Igreja. As pessoas que abominam o Vaticano acham que a
retórica é novidade e não só vai arrasar o capitalismo e os "mercados" como, se
a coisa correr pelo melhor, arrasará a Igreja. Eu, neutro na matéria, prefiro
notar que, apesar do aparente embaraço de uns e do evidente entusiasmo dos
outros, o próprio Papa talvez fizesse melhor em começar por comentar o
desemprego, a pobreza e a fome nos felizardos países sem inclinações
capitalistas e nos quais os mercados se limitam aos lugares onde o povo compra,
quando consegue comprar, hortaliças e galinhas. Se a devoção materialista tem
muitos defeitos, uma virtude ninguém lhe nega: não se confunde com nenhuma das
maravilhosas alternativas disponíveis.
Sábado, 7 de Dezembro
Um caso
O Governo prepara o agravamento do IRC para as empresas com lucros superiores
a 50 milhões. O PS defendia a subida da taxa para 7%, o Governo ficou-se pelos
6%, mesmo assim prova suficiente de que, entre nós, o crescimento económico é
severamente castigado por lei. As empresas exemplares, dignas de comendas e
carinhos fiscais, são as muito pequeninas ou as muito inviáveis. O resto, que
felizmente já é pouco, é corrido a toque de impostos, às vezes literalmente e
para lá da fronteira. Dado que nos contribuintes particulares a dimensão do
saque é ainda maior, a mensagem de quem manda é claríssima: não prosperem. O
"neoliberalismo" de sabor português é de facto um caso, não sei se de estudo se
de polícia.
Alberto Gonçalves, aqui