quarta-feira, 6 de novembro de 2013

MILAGRE SOCIAL


Bem pode Sócrates andar agora, num rodopio, a tentar repor a sua verdade dos factos. Já vai tarde

O PS, atordoado, não o fez em devido tempo. Hoje é um regresso ao passado que não comove nem interessa a ninguém.


Agora que a luta de classes se reduziu a uma luta de claques o protesto tem pouca força. Greves e manifestações mais não conseguem do que alguns minutos nos telejornais. Não têm qualquer impacto na governação, nem no destino do país. 


Vão também sendo cada vez mais difíceis de convocar. A última manifestação da CGTP, um passeio de autocarro na Ponte 25 de Abril, foi um verdadeiro flop. Não houve coragem para fazer frente a uma decisão do governo. Ficaram-se pelas imagens de helicóptero.


Para além da genética serenidade do povo português, existem, pelo menos, dois motivos para a passividade da população perante uma das maiores crises que o país atravessa desde os anos 70. O primeiro prende-se com os próprios organizadores do protesto. A começar pelos sindicatos. Vermelhos ou amarelos são parte integrante do sistema, sentam-se à mesa das negociações e do orçamento. 

Por muito que berrem e sejam radicais nas palavras na ação são comedidos, nunca indo além do razoável, ou seja, do irrelevante. Basta pensar em tanta greve inconsequente. Se os sindicatos realmente quisessem deitar abaixo o governo, como proclamam todos os dias, não seria muito complicado. Em vez de tanta greve inútil e desgastante faziam uma única pelo tempo que fosse necessário. Tendo a sua força maior na função pública uma tal greve parava mesmo o governo. Seria uma espécie de shutdown.



Mas os sindicatos não estão interessados nisso. A teoria diz-nos que quando só se tem um martelo todos os problemas se parecem com um prego. Um arquiteto resolve qualquer problema com uma nova urbanização; um médico prescrevendo um comprimido qualquer; um polícia batendo em alguém; um ministro das finanças lançando um novo imposto. Os sindicalistas não escapam a esta lógica. A sua martelada é a negociação permanente. O princípio não é chegar a acordo mas perpetuar as negociações. É o seu modus vivendi. Concordar no desacordo. 



Acresce que recebem salário e algumas mordomias por isso. Em vez de estarem na fábrica a apertar parafusos, os sindicalistas andam de cadeira em cadeira a discutir banalidades e articulados. É bem melhor, convenhamos. Uma tal operação cria uma multidão de chefes, hierarquias, burocracias, lutas internas pelo poder, rivalidades. Enfim, o habitual das organizações, onde muita gente se agita, mas nada de concreto se produz. E dá ainda direito a algum tempo de antena.



O sindicalismo atual é um dos maiores obstáculos à justiça social.



O segundo motivo que justifica a passividade do povo perante a catástrofe vem da política. Há que reconhecer que o governo, em particular Passos Coelho, apesar de toda a maldade infligida tem conseguido manter a paz social. É aliás um dos seus poucos méritos.



Desde logo conseguiu imputar ao anterior governo de José Sócrates a culpa pela nossa situação. Com a ajuda da extrema-esquerda, diga-se de passagem. Mas sobretudo dos agentes económicos, imprensa, comentadores e em geral dos que fazem opinião. Bem pode Sócrates andar agora, num rodopio, a tentar repor a sua verdade dos factos. Já vai tarde. O PS, atordoado, não o fez em devido tempo. Hoje é um regresso ao passado que não comove nem interessa a ninguém.



Passos Coelho conseguiu também instalar na opinião pública a ideia de que não há alternativa. Trata-se de uma questão de enunciado. Se o objetivo é baixar o défice e agradar aos mercados então tem mesmo de se cortar na despesa e aumentar a receita. Cortar na despesa significa despedir funcionários, baixar prestações sociais, reformas e salários. Não há realmente outra forma de o fazer. Já aumentar a receita, para além da brutal subida de impostos, implica vender tudo o que ainda resta ao país. É a lógica do Excel. Bate sempre certo.



Pires de Lima falou recentemente de um milagre económico. Um perfeito disparate num país em recessão e na via de um empobrecimento generalizado. Mas podia perfeitamente falar de um milagre social. Perante tanta malfeitoria, tanta aselhice, tanta impreparação Portugal não podia estar mais calmo.


Leonel Moura, aqui