terça-feira, 12 de novembro de 2013

AFINAL O PAI NATAL EXISTE

Desgastado pelas políticas de austeridade que impôs ao país, o Governo precisa tanto de boas notícias como nós de pão para a boca

E facto é que esta semana teve-as. Em pleno debate de mais um Orçamento contracionista, impopular e, por isso, difícil de defender, a coligação contou com as previsões contidas no Boletim de Outono da Comissão Europeia e com os números do emprego publicados pelo Instituto Nacional de Estatística para ganhar um novo fôlego. 

Aquilo que o Governo apelidou de "bons sinais" passou a fazer parte do discurso de todo e qualquer ministro que teve de intervir no Parlamento ou fora dele. " Estão aí uns sinaizinhos", como satirizava o ex-presidente Lula da Silva quando da sua recente visita a Portugal e referindo-se a idêntica reação do Governo brasileiro durante a intervenção do FMI no seu país.

Todos desejamos que Portugal possa recuperar solidamente da situação em que se encontra, que cessem os constrangimentos que afligem a maioria das famílias e que regressemos de novo a um tempo em que o futuro deixa de ser uma ameaça para voltar a constituir uma esperança. Que dados são, então, estes que deixam o Governo tão afirmativo quanto ao caminho traçado?

Desde logo a convicção da Comissão Europeia de que o défice de 5,5% do PIB reformulado para este ano vai ser atingido, expurgado que seja o apoio concedido ao Banif, que não será tomado em consideração para o seu cálculo. Só podemos desejar que se confirme a previsão, não por ser um resultado muito bom, mas porque pode ser menos mau do que se esperava.

Depois, um outro dado. A dívida pública que, com as receitas extraordinárias, chegará aos 127,8% do PIB, será bem mais elevada do que os 124,1% atingidos em 2012, mas inferior ao que antes se havia estimado. Com os juros a registarem uma baixa sensível, o Executivo entende que o pior já passou.

Há, ainda, dois outros elementos que fazem o Governo antever amanhãs radiosos. Contudo, a sua fiabilidade levanta as maiores dúvidas logo que avaliados de forma mais atenta.

Um deles tem a ver com a previsão de aumento do consumo privado já para o próximo ano (Governo português e Comissão Europeia estão em absoluta sintonia).

Seria bom que assim fosse. Mas não deixaria de ser estranhíssimo e um verdadeiro desafio ao que nos ensina a ciência económica. Então com a perda de rendimentos esperada para os agregados familiares e com a previsível quebra no investimento, o consumo privado vai aumentar? Por que bulas vai isso acontecer? Se o Governo acredita tanto nisso, como explica que o Banco de Portugal e a OCDE prevejam precisamente o contrário e por larga margem? Para argumentar em favor de um tão penoso OE, percebe-se que a ministra das Finanças diga que acredita nesta possibilidade, mas ela é improvável e pouco credível.

O outro destes elementos duvidosos é a descida do desemprego para os 15,6%. Não que estejam em causa os números publicados pelo INE. Nada disso. O que está em causa, isso sim, é a leitura que o Governo faz deles. Enquanto o primeiro-ministro vê nisto um bom sinal de recuperação económica, nós vemos um conjunto de circunstâncias que desmentem a estabilidade e a consistência destes números. 

Começa porque parte deste emprego não é estável, é sazonal, criado pela época alta do turismo (muitos dos empregados no terceiro trimestre estão já, de novo, desempregados); depois porque se verificou uma diminuição da população ativa; e finalmente porque neste período um considerável número de portugueses continuou a emigrar procurando noutros países um novo rumo para as suas vidas (cerca de 32 mil desempregados deixaram de constar do inquérito do INE).

Aquilo que nos ensinam os manuais de economia é que o desemprego só diminui quando há crescimento económico. Ora em termos homólogos o PIB do nosso país recuou nos primeiros nove meses deste ano cerca de 1,3%, o que torna irrealista o otimismo governamental.

Na Venezuela, o presidente decretou que o Natal começava em novembro para antecipar o ambiente de festa e tirar o país da tristeza. Entre nós, não tendo o Governo ousadia suficiente para decretar o fim da crise, quer que nos sintamos felizes apesar do orçamento penalizador que nos impõe. Um dia destes, a realidade se encarregará de nos demonstrar a incongruência de todos estes sinais. Até lá, e à falta de qualquer justificação consistente, resta-nos acreditar que o Pai Natal existe.

Retirada daqui