Portas terá todos os defeitos do mundo, mas é um homem inteligente.
Gosta de
fazer os outros de parvos, mas não é parvo. Ele sabe que aquela espécie de
redacção de aluno de terceira classe atrasada intitulada "Um Estado melhor" é um
documento duma indigência confrangedora.
Portas pode achar toda a gente estúpida, mas não é estúpido. Ele sabe que nós
não deixaríamos de sorrir quando ouvíssemos o slogan "Nem estatização,
nem Estado mínimo" ou o "Um Estado forte não é um Estado pesado". É que nem nos
sound bites Portas se esforçou.
Portas pode achar-nos um bando de grandessíssimos idiotas, mas até ele sabe
que alguém havia de reparar no disparate das escolas independentes ou que pelo
menos dois ou três de nós iríamos perguntar que raio será aquilo da reforma da
arquitectura do sistema judicial, dito assim de chofre e sem qualquer
explicação.
E até estou capaz de pensar que ele perceberia que alguém iria
perguntar por esses pormenores chamados números, esses detalhes apelidados de
enquadramentos, esses preciosismos designados como comparações com outros
países, essas insignificâncias conhecidas por metas ou objectivos.
Vá lá dr. Portas, não quer que acreditemos que aquele arrazoado de
banalidades, aquele conjunto de truísmos, aquele corte e colagem de bocados de
programas de partidos, de conclusões de think tanks e, pasme-se, de artigos de
opinião, seja sequer considerado um guião ? Nem sequer um programa dum partido
de vão de escada, quanto mais um guião para a reforma do Estado.
Um projecto de reforma de Estado não é propriamente um papelito mal amanhado,
com letras muito grandes para parecer que tem muitas páginas, sem o mínimo de
coerência, sem o mínimo de enquadramento, sem o mínimo de análise, sem o mínimo
de reflexão sobre as funções do Estado, sem o mínimo pensamento de qual deve ser
o papel do Estado na comunidade.
Uma reforma do Estado é um projecto para marcar um político, para ter até o
seu nome, um projecto que muda a comunidade. Quase um documento fundador.
Claro que Portas não quer o seu nome naquela coisa, nem próximo.
Portas, consciente ou inconscientemente, mostrou de forma clara algo que já é
evidente para todos: um grupo recreativo-revolucionário, liderado por Passos
Coelho, formou um Governo sem ter a mais pálida ideia para o País, e que se
agarrou a um plano feito às três pancadas, com um desconhecimento total da
realidade portuguesa, porque era o único que existia. Pior, dois anos e meio
volvidos, continua a não saber minimamente o que fazer e limita-se a expelir
algumas banalidades, insistir em intenções mil vezes repetidas e a seguir
cegamente as ordens suicidas dos incompetentes credores.
Paulo Portas foi empurrado para este número de circo, em que fez o papel do
palhaço a que tudo acontece. Sabia que enquanto o não fizesse, o
primeiro-ministro, o PSD, a oposição e os media não o largariam.
Ninguém
ligaria a nada que fizesse enquanto este obstáculo existisse. Mas foi mau
demais. Tão mau, que não será completamente despropositado pensar que o
vice-primeiro--ministro não se importou de cair no ridículo para humilhar também
Passos Coelho. Já foram tantas as rasteiras, as facadas, as humilhações mútuas,
que seria apenas mais um episódio nesta triste farsa que ambos protagonizam.
Portas só pode estar a contar com o facto de a memória não ser o nosso forte.
Agora mete-se o Orçamento, a troika, o Tribunal Constitucional e ninguém
se lembra mais disto. Daqui a uma semana, foi como se o papelito nunca tivesse
existido. E daqui a duas nem Portas se lembrará do título. Foi só mais uma
irrevogabilidade, mais uma linha vermelha. Enfim, mais uma mentira, mais um acto
de dissimulação.
O problema mais grave é que assim se esvazia também a palavra reforma. Daqui
em diante, quando alguém falar de reforma do Estado, uma parte dos portugueses
rirá às gargalhadas e a outra encolherá os ombros. E assim se adia
indefinidamente algo de fundamental para o futuro da nossa comunidade. E assim
se brinca com os portugueses.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo
Ortográfico
Pedro Marques Lopes, aqui
