
Quando sofrem, as pessoas revelam-se.
Como se a adversidade destruísse as superficialidades, e a identidade mais funda se manifestasse de uma forma tão fluída e pura que choca pela evidência de uma verdade tantas vezes inesperada até aí.
Sofrer, qualquer um dos males da existência, é viver algo que põe em causa as esperanças e onde a finitude e a dependência humanas são sempre certezas absolutas. Pouco se pode fazer perante o sofrimento, trata-se de o suportar enquanto se lhe tenta descobrir o sentido...
O sofrimento é um mal. Ninguém encontra na sua dor motivo de felicidade. Pode acontecer que o mal seja inevitável como meio para um bem maior, mas o que se deseja é sempre o bem como fim, nunca o mal, tão-pouco como caminho.
Há um efeito comum a qualquer tragédia no seio da qual nos seja dado viver, o de nos fazer mais próximos dos que connosco sofrem dessa mesma condição, os que choram das mesmas lágrimas que nós. Fazemo-nos irmãos de quem experimenta a mesma dor... o sofrimento remete-nos para uma solidão profunda, da qual a maioria dos outros (dos que não vivem a mesma dor) se afastam como se fosse contagiosa... e, assim, ao mal da tragédia acresce-se a dor de perda dos que julgávamos que ficariam connosco... a verdade, sob estas circunstâncias, é crua e atroz.
Podem então surgir, se se abrirem os olhos, irmãos onde menos esperamos. Afinal, um irmão é quem connosco vem viver quando se cumpre o pior dos nossos dias. Muitos são os que estão na festa, poucos os que dela ficam para a luta... um ou dois os que se juntam a nós por causa da guerra.
Sob os sofrimentos mais terríveis, há muitos homens que encontram em si mesmos a força que lhes permite resistir a tudo, aquela que os faz tornarem-se ainda mais dignos de uma felicidade que lhes pode ser adiada, mas lhes é prometida, devida e certa. São os que encontraram no alívio do sofrimento alheio um sentido para a sua existência.
A culpa é uma agonia a que ninguém escapa, pese embora alguns julguem que a conseguem aniquilar através das suas sempre muito engenhosas desculpas para renunciar à responsabilidade... acreditam que fugindo para longe deixam a culpa para trás... chegam até a julgar possível serem heróis da infidelidade.
Estes, que preferem deixar-nos sós sob a tempestade, não compreendem que mais do que fugir de nós, correm para longe de si mesmos, para bem longe do melhor de si... rumo ao pior. Mas, por mais que corram e deem voltas ao mundo, jamais encontrarão paz enquanto não descobrirem o valor de uma vida autêntica. Afinal, os bons são os que ficam com quem sofre... só os bons.
Nenhuma dor nos deixa onde nos encontrou. A revolta é apenas um dos primeiros passos da resposta ao sofrimento... reconhecer o dom da força para resistir à adversidade, outro... aceitar todos os calvários como sendo parte dos caminhos da vida, outro ainda... para, antes do final, chegar a ter a certeza que sem tudo ser lógico, não há, contudo, sofrimentos sem sentido ou valor.
A aparente pobreza que o sofrimento descobre é afinal a verdadeira essência de cada um de nós. Conseguimos suportar muito. Quase tudo. Tudo, se não estivermos sós.
... quanta verdade se descobre nos dias de tempestade!
José Luís Nunes Martins, aqui