terça-feira, 8 de outubro de 2013

ERA UMA VEZ...

O SULTÃO BONACHEIRÃO
Era um sultão bonacheirão

Sentado em almofadas, bem instalado, de pernas cruzadas, o sultão bonacheirão ouvia, sorria e calava. 

Vinham ministros falar-lhe das arcas dos tesouros do reino quase vazias, e o sultão bonacheirão ouvia, sorria e calava. 

Vinham generais falar-lhe da iminência de guerras desastrosas, de inimigos do reino que rondavam as fronteiras, e o sultão bonacheirão ouvia, sorria e calava. 


Vinham mensageiros falar-lhe de desastres sem fim: secas nas províncias ocidentais, avalanches nas províncias orientais, bandos de salteadores desenfreados nas províncias da montanha, inundações, naufrágios, miséria na província litoral, e o sultão bonacheirão ouvia, sorria e calava. 

Tanto sorria e tanto calava que os ministros, os generais e os mensageiros desistiram de lhe falar. 

Um por um, foram abandonando o palácio do sultão, e com eles saíram os cortesãos, os guardas e os criados. 

Ficou o sultão sozinho, sentado em almofadas, de pernas cruzadas, sorrindo, sorrindo sempre. 

Mas a certa altura, o sultão bonacheirão sentiu uma comichão na mão. Eram duas formigas. 

Dizia uma para a outra: 
- Estou desconfiada que somos as últimas. 
- As aranhas já fecharam com as suas teias as portas do palácio. As portas e as janelas - dizia a outra. 
- Despachemo-nos, despachemo-nos - diziam as duas, enquanto atravessavam a mão do sultão, desciam pelas almofadas e corriam pelo chão? 

O sultão deixou de sorrir. 
- Esperem por mim - balbuciou, levantando-se a custo. 

Foi atrás das formigas e enfiou por um subterrâneo do palácio, onde se enfarruscou todo, a ponto de, uma vez cá fora, ninguém o reconhecer como sultão. 

Havia grande agitação na praça, diante do palácio. 
- O príncipe Aldi tomou sobre si o governo do reino. É um príncipe bom e corajoso. Vai dar um bom sultão - informou um homem, passando pelo sultão bonacheirão, que não sorria. 
- O antigo sultão era um paspalhão. Não prestava para nada, não sabia governar - disse outro homem, passando pelo sultão, que não sorria. - A estas horas ainda deve estar no palácio, de pernas cruzadas sobre uma montanha de almofadas. Sultão paspalhão! Vamos lá nós e cai tudo ao chão. 
- Vamos! Vamos! - gritaram várias vozes. 

Desta vez o sultão bonacheirão, vendo-os ir em direcção ao palácio, ouvi-os, sorriu e calou-se. 

Escapou-se.

António Torrado e Cristina Malaquias, aqui