Percebo a vontade que muitas pessoas de esquerda têm de definir o actual
Governo e a presente política europeia como de direita: associar a direita a
esta loucura, que inevitavelmente resultará em catástrofe, provocará uma quase
hegemonia política da esquerda durante muitos anos.
Conceitos como reforma do
Estado, reformas estruturais, maior liberalização económica, menos Estado na
economia, serão olhados como slogans revolucionários e não como propostas
válidas e absolutamente necessárias. Que não restem dúvidas: a incompetência e a
insanidade revolucionária irão afastar do poder durante muitíssimo tempo
políticos que não têm rigorosamente nada que ver com esta gente e propostas
ideológicas erradamente associadas ao que estamos a viver.
Existem duas opções: ou param este processo de destruição e
declaram alto e em bom som o que dizem pela calada ou ficam num partido que não
é o mesmo a que aderiram. No segundo caso é bom que saibam que se arriscam
dentro de pouco tempo a estar num partido marginal, mas isso, para o bem ou para
o mal, os aparelhistas vão perceber primeiro.
Também se entende a tentativa da gente apoiante deste governo e desta
política em definir toda a gente que não concorda com eles como de esquerda. Em
primeiro lugar, as trincheiras são fundamentais para os intolerantes, para os
sectários, para os revolucionários. Eles ou nós é uma forma de tentar
condicionar o pensamento, de apelar a comportamentos tribais quase sempre
irracionais. Em segundo é uma maneira de tentar desacreditar dentro de um
determinado espaço ideológico as pessoas que não são, nem nunca foram, de
esquerda - as que se preocupam com isso, claro está.
Confundir loucura revolucionária, incompetência, ignorância sobre as razões
da crise, desconhecimento do país, pulsões punitivas e slogans apatetados do
tipo "vivemos acima das nossas possibilidades", com posições ideológicas pode
dar muito jeito para a luta partidária, no pior sentido, mas não tem o mínimo de
adesão à realidade política-ideológica. Mais, em termos europeus, a política
prosseguida pouco tem que ver com verdadeiras opções políticas mas com questões
quase de fé, como a suposta preguiça dos povos do Sul. Temos também os grandes
objectivos económicos.
Neste caso, a ignorância sobre os motivos da crise de,
por exemplo, o nosso governo - que comprou a patranha da culpa exclusivamente
interna - e a incapacidade de os países mais afectados pela crise financeira
global, mais prejudicados pelos erros profundos na implementação do euro e com
estados de desenvolvimento económico e social diferentes terem uma posição
comum, ajuda decisivamente à hegemonia das posições da Alemanha e seus
parceiros.
O Orçamento do Estado para 2014 é tão-só um exemplo da loucura instalada.
Alguém continuar a insistir numa política que está a destruir uma classe média
inteira, a criar um exército de centenas de milhares de desempregados, a
destruir o nosso incipiente Estado social, para depois de 15 mil milhões de
euros retirados às pessoas e à economia ter uma diminuição do défice de 2,8 mil
milhões é um perfeito absurdo. Diminuir o salário a pessoas que ganham 600 euros
mensais é uma infâmia.
E o pior é que não serve para rigorosamente nada. Não há
a mínima oferta de uma perspectiva de um futuro melhor. Para o ano o défice vai
ser igual, mas terão sido destruídas mais vidas e a economia estará mais
deteriorada. Para 2015 será o salário mínimo a baixar, as pensões a desaparecer,
a saúde e a educação apenas para quem as puder pagar.
Os revolucionários estão quase a construir a nova sociedade. O homem novo
está quase a chegar.
Muitas razões contribuíram para este absurdo e provavelmente a inexistência
de alternativa à esquerda e o adormecimento, ou melhor, a cobardia dos partidos
de direita, não terá sido decisiva. Mas que contribuiu para esta espécie de
quarta via revolucionária/suicida não restam dúvidas. Já estamos todos a pagar
por isso, mas vai piorar. E, por este caminho, nunca melhorará.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo
Ortográfico.
Pedro Marques Lopes, aqui