A abstenção foi a ganhadora indiscutível das eleições autárquicas. 
Quase sem 
exceções, mesmo os vencedores das corridas eleitorais do passado domingo tiveram 
invariavelmente votações significativamente mais baixas do que as que obtiveram 
há quatro anos. Esta vitória da abstenção fala-nos da crise da política e exige 
a sua renovação.
No domingo a maioria dos portugueses não participou nas eleições porque pura 
e simplesmente está descrente na possibilidade de a sua vida melhorar neste 
quadro político de esvaziamento das escolhas e de identificação da política como 
um campo repulsivo de decisões opacas em que reina a promiscuidade entre os 
cargos públicos e os benefícios privados de uma casta de intocáveis. 
Fica por 
isso patente a falta de fundamento para a apologia dos círculos uninominais em 
eleições legislativas como panaceia para o alheamento dos cidadãos. 
Tivesse isso 
um mínimo de verdade - e não fosse apenas um cambalacho contra a democracia e 
contra a expressão proporcional da diversidade de opiniões - e eleições como as 
autárquicas, com uma tão acentuada personalização das candidaturas e um tão 
marcado pendor presidencialista, teriam índices de participação muito maiores. 
Não, não é a proximidade com os candidatos que estimula o voto das pessoas, é a 
capacidade de as políticas darem ou não resposta aos problemas mais importantes 
dos cidadãos. 
Num tempo, como aquele por que passa atualmente Portugal, em que o espartilho 
da austeridade impõe uma limitação essencial das escolhas políticas à opção 
entre punir brutalmente ou punir impiedosamente a vida das pessoas e em que as 
alternativas são qualificadas pelos poderes que formatam as opiniões públicas 
como irresponsáveis e utópicas, não se pode esperar que essas mesmas pessoas 
sintam como útil para as suas vidas ir votar. Sentem-no cada vez mais como um 
gesto que não mudará nada porque o resultado tem-se voltado sempre contra 
elas.
A abstenção só deixará de ser sedutora se a escolha política for sentida como 
verdadeiramente útil por cada pessoa, se cada pessoa sentir genuinamente que a 
sua participação terá uma influência real na configuração da agenda que conduz 
às decisões públicas. Nesse sentido, só mais democracia travará o alheamento da 
democracia. Nesse sentido, um dos sinais mais positivos dados por estas eleições 
foi a força adquirida por movimentos de cidadãos que fizeram da democracia 
participativa o seu método e a sua bandeira. É isso que distingue os movimentos 
de cidadãos pelo aprofundamento da democracia das expressões de ressabiamento 
pessoal de dirigentes partidários com os partidos que não os propuseram como 
candidatos.
Os movimentos pela democracia participativa - como os Cidadãos por Coimbra - 
mudam a política porque, em vez de glamour, marketing e fabricação 
de sonhos que infantilizam, acrescentam democracia e autorresponsabilização dos 
cidadãos que dão confiança e motivação a democratas adultos. Nos quatro anos de 
mandato autárquico que agora começam, passará por aqui um dos eixos essenciais 
de luta pela recuperação da nossa democracia. 
Se estes movimentos souberem 
mobilizar as suas terras para o debate das causas programáticas que apresentaram 
aos eleitores, se conseguirem fazer dessas mobilizações exigências de 
posicionamento por parte dos eleitos, se conseguirem combinar participação 
cidadã com fundamentação rigorosa e sábia das propostas de decisão, se, enfim, 
conseguirem assim fazer da consciência pública local uma referência sentida 
efetivamente pelas pessoas como central e útil para as suas vidas, então a 
democracia terá começado a vencer a batalha contra a abstenção
José Manuel Pureza, aqui
