DUAS HISTÓRIAS
Eu estava na esplanada da praia a escrever uma história.
Nada de especial. Era uma história que metia uma boneca, uma mona feita de trapos, com quem já ninguém brincava.
Esquecida a um canto de uma casa há muito desabitada, a mona devia ter saudades do tempo em que era acarinhada por uma menina, a sua dona de outrora. Há quanto tempo...
Nem a boneca conseguia sequer recordar-se do rosto dessa menina. Nunca mais tinham sabido uma da outra.
A verdade é que estava só. Vontade de brincar não lhe faltava, mas com quem?
Neste ponto da minha história, eu hesitei. Pedi outro café ao criado e olhei em volta. Na praia, muitos banhistas, mas na esplanada só eu e, numa mesa perto, uma jovem senhora a tricotar.
Foi então que me surgiu uma ideia para continuar a minha história. Pus-me logo a escrever.
A boneca solitária, feita de trapos, decidiu fabricar uma boneca igual a ela. Com que materiais? Com os seus próprios trapos. Ficaria mais magra, mais pequena, mas juntaria a ela uma companheira.
Por sinal que, na casa desabitada, uma máquina de costura meio ferrugenta, mas ainda prestimosa, ofereceu os seus serviços.
- Mãos à obra - exclamou a boneca de trapos, entusiasmada.
Descoseu-se, esventrou-se, cortou, coseu, encheu e uma bonequinha parecida com ela começou a ganhar forma. Era um mona trangalhadanças, mas ia ser uma óptima companheira.
A bonequinha ganhou forma, ganhou vida e eu estava quase no fim da minha história. Imaginei as duas bonecas a brincar uma com a outra, na tal casa desabitada, afinal habitada pela alegria.
Era uma história simples. Histórias destas não custam nada e sabem bem, como um café com açúcar, bebido numa esplanada da praia.
Na mesa perto da minha, a jovem senhora que tricotava também tinha completado a sua tarefa. Era um casaquinho de bebé.
A jovem senhora apreciou, ternamente, a sua obra. Pareceu-me até que sorriu para o casaquinho. Não sei se já disse que a senhora ostentava um evidente volume de corpo de quem espera bebé, para breve...
E aqui têm como, numa só história, cabem duas histórias. Ou muitas...
António Torrado e Cristina Malaquias, aqui