terça-feira, 10 de setembro de 2013

AUTARCAS CANGURUS E MÉDICOS VOADORES

Observar nem que seja por uma semana este país, que tantos consideram estar mais próximo dos parâmetros de uma república sul-americana do que de uma nação europeia, pode tornar-se um exercício deprimente

Estes dias foram pródigos em exemplos. Confirmamos que temos uma lei de limitação de mandatos autárquicos que, na prática, limita muito pouco. 

Percebemos que basta que o autarca profissional defina, ao sabor das suas circunstâncias e da política do momento, a autarquia que pretende dirigir e assim, seja essa a vontade dos eleitores, seguir em frente. 

Passados os três mandatos consecutivos que a lei hipocritamente impõe, a solução é concorrer à câmara ao lado (ou a seiscentos quilómetros, não importa) antes de regressar à de origem. Um absurdo que os candidatos aproveitaram legitimamente e que o Tribunal Constitucional dificilmente poderia impedir. Então, onde está o problema? Na lei, seguramente. 

Mas, sobretudo, na prática impostora dos partidos que pretenderam alimentar a sua equívoca dualidade interpretativa a ter coragem de a clarificar no Parlamento. Não deixa, talvez por isso, de ser curioso que uma das posições mais assertivas sobre a necessidade de acabar com as zonas nublosas do texto surja de um dos autores do atual diploma. O social-democrata Paulo Rangel parece afinar pelo mesmo diapasão do Bloco de Esquerda e sugere mudar algo que até agora teve o condão de unir a Direita e os comunistas perante o encolher de ombros do PS. 

Rangel defende um "pousio" de quatro anos, até que um candidato que exerceu o poder doze anos consecutivos (3 mandatos) possa voltar ao ativo. Seria, para o eurodeputado laranja, "uma regra elementar em democracia" que "não restringe nenhum direito". Aparentemente seria assim, mas tratando-se de um princípio preto no branco que não deixaria grande margem aos contorcionistas da política, é bem provável que esteja condenado à nascença.

Esta semana tivemos ainda a infeliz notícia do oitavo bombeiro morto na sequência dos fogos florestais. Mais uma morte que logo intensificou a busca de explicações. Questionaram-se as opções de comando no terreno e a formação dos bombeiros, exibiram-se alegados incendiários e falou-se de prevenção. Quando chegarem as primeiras chuvas, e os orçamentos estiverem finalizados, verificaremos que as dotações destinadas ao ordenamento florestal, limpeza, abertura de caminhos ou vigilância das matas serão ínfimas quando comparadas com as chorudas verbas dedicadas ao combate aos incêndios. A economia do fogo - e todos os que dela se alimentam - seguirá intacta.

Todavia, em matéria de opções políticas ruinosas, nada como olhar para a América do Sul para termos alguma consolação. No Ceará brasileiro, onde médicos receberam com insultos clínicos cubanos contratados para trabalhar onde os locais não querem estar (cubanos, mas podiam ter sido portugueses, que também chegaram ao país nos últimos tempos), há um hospital novo sem médicos. 

Custou mais de 70 milhões de euros e fica a uns 230 quilómetros de Fortaleza. Os mesmos médicos, os mesmos que apuparam os colegas cubanos, dizem que é longe. Recusam viajar de carro para trabalhar na nova unidade, mas encontraram uma solução aceite pelas autoridades. Todas as semanas uma espécie de 'ponte aérea' coloca os médicos em aviões e transporta-os até Sobral, assim se chama a localidade. 

Olhando para fora, a política do vale tudo ainda parece ter margem para progredir entre nós.

Retirada daqui