sábado, 14 de setembro de 2013

AS AUTÁRQUICAS


1. Durante cerca de um ano, o PSD andou com um discurso cauteloso em relação às eleições autárquicas.

O partido parecia interiorizar um real sentimento de descrença e a aceitação da inevitabilidade das políticas governamentais, dominadas pela necessidade de austeridade, poderem contaminar a escolha de muitos portugueses.

Apesar da forma hábil como Jorge Moreira da Silva foi tecendo um conjunto de coligações com o CDS - em contraponto com a incapacidade da esquerda de se articular em qualquer município que fosse -, a derrota parecia pronta a ser assumida, tanto mais que o líder e primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, também ainda dizia, por esses tempos, que se estava borrifando para eleições.

Pedro Passos Coelho inverteu esse sentido no comício do Pontal, no qual apontou como meta a presidência da Associação Nacional de Municípios (leia-se: ganhar mais câmaras do que qualquer outro partido). E Marco António Costa, saindo do Governo de volta para o partido (em percurso inverso ao de Jorge Moreira da Silva), foi ampliando, sobretudo para dentro do PSD, a ideia de otimismo que o estudo das diversas sondagens efetivamente permitia.

A comunicação mudou e a perceção do partido mudou com ela, entusiasmando a "máquina" e tranquilizando candidatos. A interpretação do Tribunal Constitucional quanto à possibilidade de candidatura dos chamados "dinossauros", já adivinhada, foi apenas mais um sinal positivo para o PSD.

2. O PS partiu de uma posição inversa. Parecia ter toda a vantagem - e talvez por isso não tenha cerzido bem a estratégia autárquica - que muitos, internamente, acusam de ter sido moldada aos interesses de afirmação do secretário-geral, com o caso de Matosinhos à cabeça.

A meta estabelecida por António José Seguro - "apenas" ter mais votos do que qualquer outro partido - terá sido o mote para o regresso da contestação interna que o último congresso dera a entender estar definitivamente enterra-da. Basta ler as declarações de alguns notáveis socialistas como Augusto Santos Silva ou Carlos César, que nem por estarem normalmente alinhados com o anterior poder do PS devem ser desvalorizadas.

E o partido, que tinha saído do congresso difundindo a ideia de uma união acima de toda a suspeita, mostra de novo ter fações que espreitam a possibilidade de aproveitar o insucesso da estratégia da direção.

Falta apenas saber se esta estratégia socialista reflete um efetivo receio, como pretende a ala esquerda socialista, ou se, enfrentando agora o risco das presentes críticas, pretende potenciar, depois, a exploração de resultados melhores. Cautela ou calculismo?

3. Do ponto de vista político, as autárquicas passaram assim, e de repente, a serem tão sensíveis para os partidos do poder (que nestes casos sempre se submetem, sobretudo nas grandes cidades, a um certo referendo à qualidade da governação) como para a liderança do principal partido da oposição.

Estas consequências nacionais pairam também agora por cima do interesse municipal. A interpretação restritiva da lei por parte da Comissão Nacional de Eleições (CNE), bem ao contrário da posição moderna e inteligente da ERC, levou à rebelião das três cadeias nacionais (SIC, TVI e RTP), e isso vai, com certeza, distorcer nos ecrãs o que se passa no terreno.

Vamos ter o foco, tanto nas televisões generalistas como nas suas extensões no cabo, nos líderes nacionais dos partidos e ter menos informação sobre as propostas autárquicas. 

Assim se escapa ao perigo das multas avultadas que resulta da interpretação da CNE quanto à questão da igualdade de tratamento das diversas candidaturas.

Ao menos que isso, terminadas as eleições, sirva para os deputados se confrontarem com as suas responsabilidades e produzirem a melhoria e clarificação da lei. Se essa for a conclusão, claro. Mas suspeito que alguns partidos até preferem assim...

A Fundação Francisco Manuel dos Santos tem produzido um trabalho excelente no sentido de dotar os portugueses de mais e melhor informação sobre a sociedade em que vivem. Isso pode apreciar-se no projeto Pordata e no recente estudo que patrocinou, dirigido por Augusto Mateus, a propósito da evolução da sociedade portuguesa desde a entrada no espaço que hoje é conhecido por União Europeia. Homens como o presidente da Jerónimo Martins, Alexandre Soares dos Santos, e António Barreto, presidente da Fundação, podem e devem estar satisfeitos pelo trabalho produzido.

João Marcelino, aqui