1. Durante cerca de um ano, o PSD andou com um discurso cauteloso em relação
às eleições autárquicas.
O partido parecia interiorizar um real sentimento de descrença e a aceitação
da inevitabilidade das políticas governamentais, dominadas pela necessidade de
austeridade, poderem contaminar a escolha de muitos portugueses.
Apesar da forma hábil como Jorge Moreira da Silva foi tecendo um conjunto de
coligações com o CDS - em contraponto com a incapacidade da esquerda de se
articular em qualquer município que fosse -, a derrota parecia pronta a ser
assumida, tanto mais que o líder e primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho,
também ainda dizia, por esses tempos, que se estava borrifando para
eleições.
Pedro Passos Coelho inverteu esse sentido no comício do Pontal, no qual
apontou como meta a presidência da Associação Nacional de Municípios (leia-se:
ganhar mais câmaras do que qualquer outro partido). E Marco António Costa,
saindo do Governo de volta para o partido (em percurso inverso ao de Jorge
Moreira da Silva), foi ampliando, sobretudo para dentro do PSD, a ideia de
otimismo que o estudo das diversas sondagens efetivamente permitia.
A comunicação mudou e a perceção do partido mudou com ela, entusiasmando a
"máquina" e tranquilizando candidatos. A interpretação do Tribunal
Constitucional quanto à possibilidade de candidatura dos chamados "dinossauros",
já adivinhada, foi apenas mais um sinal positivo para o PSD.
2. O PS partiu de uma posição inversa. Parecia ter toda a vantagem - e talvez
por isso não tenha cerzido bem a estratégia autárquica - que muitos,
internamente, acusam de ter sido moldada aos interesses de afirmação do
secretário-geral, com o caso de Matosinhos à cabeça.
A meta estabelecida por António José Seguro - "apenas" ter mais votos do que
qualquer outro partido - terá sido o mote para o regresso da contestação interna
que o último congresso dera a entender estar definitivamente enterra-da. Basta
ler as declarações de alguns notáveis socialistas como Augusto Santos Silva ou
Carlos César, que nem por estarem normalmente alinhados com o anterior poder do
PS devem ser desvalorizadas.
E o partido, que tinha saído do congresso difundindo a ideia de uma união
acima de toda a suspeita, mostra de novo ter fações que espreitam a
possibilidade de aproveitar o insucesso da estratégia da direção.
Falta apenas saber se esta estratégia socialista reflete um efetivo receio,
como pretende a ala esquerda socialista, ou se, enfrentando agora o risco das
presentes críticas, pretende potenciar, depois, a exploração de resultados
melhores. Cautela ou calculismo?
3. Do ponto de vista político, as autárquicas passaram assim, e de repente, a
serem tão sensíveis para os partidos do poder (que nestes casos sempre se
submetem, sobretudo nas grandes cidades, a um certo referendo à qualidade da
governação) como para a liderança do principal partido da oposição.
Estas consequências nacionais pairam também agora por cima do interesse
municipal. A interpretação restritiva da lei por parte da Comissão Nacional de
Eleições (CNE), bem ao contrário da posição moderna e inteligente da ERC, levou
à rebelião das três cadeias nacionais (SIC, TVI e RTP), e isso vai, com certeza,
distorcer nos ecrãs o que se passa no terreno.
Vamos ter o foco, tanto nas televisões generalistas como nas suas extensões
no cabo, nos líderes nacionais dos partidos e ter menos informação sobre as
propostas autárquicas.
Assim se escapa ao perigo das multas avultadas que
resulta da interpretação da CNE quanto à questão da igualdade de tratamento das
diversas candidaturas.
Ao menos que isso, terminadas as eleições, sirva para os deputados se
confrontarem com as suas responsabilidades e produzirem a melhoria e
clarificação da lei. Se essa for a conclusão, claro. Mas suspeito que alguns
partidos até preferem assim...
A Fundação Francisco Manuel dos Santos tem produzido um trabalho
excelente no sentido de dotar os portugueses de mais e melhor informação sobre a
sociedade em que vivem. Isso pode apreciar-se no projeto Pordata e no recente
estudo que patrocinou, dirigido por Augusto Mateus, a propósito da evolução da
sociedade portuguesa desde a entrada no espaço que hoje é conhecido por União
Europeia. Homens como o presidente da Jerónimo Martins, Alexandre Soares dos
Santos, e António Barreto, presidente da Fundação, podem e devem estar
satisfeitos pelo trabalho produzido.
João Marcelino, aqui