Agora são os diasem que se veem e ouvem 
nas ruas da minha cidade - e de muitas outras cidades do País - grupos que 
invadem o espaço público gritando alarvidades, macaqueando encenações que 
misturam militarismo e deboche ou exibindo em cortejos e em performances 
localizadas rituais de humilhação coletiva e de rebaixamento.
Chamam-lhe praxe. E em nome desse nome, a minha cidade - e muitas outras 
cidades do País - tolera o intolerável: a indignidade.
A praxe é uma fotografia da nossa realidade. É, em primeiro lugar, uma 
fotografia da universidade. A velha universidade elitista, fechada numa 
diletante torre de marfim, deu lugar a uma universidade socialmente aberta e 
massificada em interação com a sociedade no seu todo. Mas os efeitos dessa 
democratização da universidade no imaginário social esbarraram numa governação 
da economia e do País que fez dos recibos verdes e da desqualificação do 
trabalho seus mandamentos supremos. A ligação automática entre universidade e 
prestígio social tornou-se um mito. 
A praxe é a resposta boçal a essa perda da 
capacidade de garantir ascensão social pela universidade. O ritual da entrada no 
mundo dos sonhos ficou ritual vazio, porque o mundo dos sonhos é pura quimera 
até se revelar crueldade pura no desemprego, no call center ou na caixa do 
supermercado. O que aspirava a ser liturgia de início de caminho de promoção 
tornou-se cerimonial de integração igualizadora numa sociedade sem exigência e 
sem expectativas. Por isso os "caloiros" gritam, sob a batuta de "doutores" tão 
marciais quanto ignorantes, que são umas "bestas", uns "vermes" e quejandos. E 
são-no realmente para a economia e a sociedade. A ponto de o Governo lhes 
sugerir a emigração como horizonte de futuro. A praxe é a carnavalização pimba 
da desesperança que hoje habita a universidade.
A praxe é, em segundo lugar, uma fotografia da nossa sociedade. Ela mostra, 
concentrada no microcosmos da universidade, uma sociedade que cultiva com 
apavorante facilidade o sexismo, a obediência acrítica às ordens gritadas, a 
homofobia, a hierarquização social rígida e indiscutida e a apologia do vexame e 
da desqualificação como códigos do relacionamento social. Uma sociedade sem 
direitos humanos nem pensamento crítico - eis a sociedade que a praxe revela. 
Com a agravante de ser uma sociedade convencida da sua bondade integradora.
Se a praxe é uma grotesca fotografia, são as realidades que ela retrata que 
precisam de ser mudadas. Mudar a universidade, desde logo, assumindo-a como 
lugar de conhecimento e de ciência e, por isso, de culto da permanente 
insatisfação com o que está e com o que se herdou, da contínua superação da 
incultura, do combate à indolência que é a apologia acrítica de todas as 
tradições inquestionadas. Uma universidade assim, em que tecnologias e 
humanidades dão as mãos no desenvolvimento de um pensamento crítico, não forma 
para uma integração obediente em empregos desqualificados e sem direitos, forma, 
sim, cidadãos inquietos e exigentes. E isso torna-a perigosa aos olhos dos 
poderes estabelecidos. Porque essa universidade, em que os estudantes exijam 
horizontes em vez de exibirem boçalmente o seu vazio, questionará até à raiz os 
mecanismos que geram nela e fora dela o autoritarismo, a discriminação, o 
sexismo e toda a rasquice elevada a modo de vida triunfante. Ou seja, mudará a 
sociedade.
José Manuel Pureza, aqui 

