terça-feira, 27 de agosto de 2013

CAVACO SABE DA MORTE DE BOMBEIROS?

Dentro de dias a voracidade mediática fará esquecer os nomes de António Ferreira, Pedro Rodrigues e Ana Rita

Eram bombeiros e morreram a defender das chamas as florestas que os privados e o Estado negligenciam ano após ano. Pagaram um preço demasiado alto só para defender algumas árvores. As famílias vão receber pouco mais de 100 mil euros, o valor que o seguro estipula para uma vida. 

Na Imprensa, os estudiosos da complexa problemática dos fogos, os especialistas de ocasião ou os oportunistas da situação vão esgrimir argumentos na tentativa de encontrar explicações para tantos mortos e feridos na campanha de incêndios deste ano, que ainda nem sequer chegou ao fim. Já muitos falaram da formação (ou da falta dela). 

Parece que tem melhorado. Só faltava que nesse campo tivesse havido um retrocesso. Mas também é certo que dar formação, só por si, pode não ser suficiente. Domingos Xavier Viegas, um dos maiores estudiosos do tema - e formador na Escola Nacional de Bombeiros - revelou no fim de semana que as aulas sobre o comportamento do fogo, por exemplo, foram reduzidas para menos de metade desde 2010. 

A explicação é óbvia: falta dinheiro, corta-se no número de aulas, fragiliza-se a formação. E as verbas não escasseiam apenas para a valorização profissional dos voluntários. Em época de crise poupa-se no equipamento, aligeira-se a segurança e, portanto, potencia-se o risco de homens e meios. Estas são fragilidades incontornáveis, mas não se pense que tudo seria simples com mais aulas e equipamentos mais eficazes.

Parte significativa da floresta portuguesa está ao abandono e é desorganizada. O interior desertifica-se e a agricultura é largada. Sem agricultura também a floresta fica mais desprotegida. Sem vigilância, reduz-se a hipótese de combate ao fogo nascente, aumentando o risco de descontrolo das chamas. 

Como ninguém abre acessos, sobram os caminhos de cabras que, quando as labaredas se descontrolam, encurralam bombeiros em labirintos de fogo e obrigam as viaturas a manobras impossíveis que se têm mostrado tantas vezes fatais. Se a estas circunstâncias juntarmos condições climatéricas extraordinárias e a formação anormal de biomassa temos uma bomba altamente perigosa que, quase sempre, rebenta nas mãos dos bombeiros.

É, por tudo isto, inevitável responsabilizar a classe política pelo estado a que chegou a nossa floresta. A defesa daquela que é uma das maiores riquezas naturais de Portugal exige medidas corajosas. Não é mais possível que o país fique refém das políticas de prevenção e combate aos fogos que, não raramente, escondem negociatas pouco claras.

Tal como não é aceitável que os palácios de Belém e São Bento não tenham tornado pública qualquer manifestação de pesar pelas mortes de António, Pedro e Ana. O lapso está já a merecer várias manifestações na página da Presidência da República no Facebook, onde podemos observar os votos de pesar de Cavaco Silva pelos falecimentos do príncipe Friso, dos Países Baixos, do ex-reitor José Enes ou de António Borges, mas nada sobre os bombeiros mortos em ação. 

É uma omissão lamentável que a circunstancial presença do ministro Miguel Macedo nos enterros não pode colmatar. 

Triste país este em que os seus mais altos responsáveis não choram sequer quem, com a vida, o defende.

Alfredo Leite, aqui