Se há coisa que a Direita - política, económica e ideológica - encara como
alvo prioritário de combate essa é a escola pública.
A razão é simples: a escola
pública é um dos mais eficientes mecanismos - a par do Serviço Nacional de Saúde
- de ligação indissociável entre a democracia e a igualdade.
Na escola pública -
como no Serviço Nacional de Saúde - o filho do rico é igual ao filho do pobre.
A Direita sempre viu na igualdade efetiva que anima a escola pública um mal a
erradicar. A sua estratégia é clara: primeiro, fazer crer que o primado da
escola pública tem um animus totalitário e uniformizador; depois, apregoar o
princípio abstrato da "liberdade de escolha" associando-o a uma subsidiariedade
invertida (o ensino público subsidiário da oferta privada e não esta como
supletiva do primado da rede pública); finalmente, a responsabilização
financeira do Estado pela oferta de ensino privado, não apenas lá onde a rede
pública não chega mas em toda a parte - isto é, a obrigação de o Estado pagar a
concorrência contra si próprio. Por outras palavras, o Estado supostamente
totalitário e ameaçador torna-se libertador se aceitar pagar a fatura da
iniciativa privada.
É o modelo desse financiamento que o Governo se apresta a rever em breve. O
seu guião será o do aristocrata de Lampedusa posto em filme inesquecível por
Visconti: "algo tem que mudar para que tudo fique na mesma." No caso, o valor
transferido diretamente para as escolas no âmbito dos contratos de associação
descerá - ficando, ainda assim, acima do que havia sido fixado pelo Governo
anterior - e, em contrapartida, aumentará o financiamento direto às famílias que
queiram ter os seus filhos no ensino privado ou cooperativo, incrementando os
chamados "contratos simples".
O bolo global da fatura privada paga pelo orçamento público não diminuirá,
portanto. Mas o que diminuirá, disso não há dúvidas, é o financiamento público
da escola... pública. E a sua desqualificação através do despedimento de
professores e funcionários ou do encerramento de escolas. Vale pois a pergunta:
há razões de eficiência acrescida que justifiquem esta transferência de dinheiro
público para o setor privado neste domínio? A resposta é um rotundo não. A
Inspeção-Geral da Educação tem insistentemente identificado no ensino privado e
cooperativo práticas de excesso de alunos por turma, sobrecarga ilegal de
tarefas e de horários para professores impostas arbitrariamente ao abrigo da
precariedade mais escandalosa, afastamento de alunos cujas classificações fazem
perigar o lugar dessas escolas nos rankings, subalternização das atividades de
enriquecimento curricular ou mesmo cobrança de propinas ilegais (por exemplo,
sob a forma de pagamento obrigatório de senhas de refeição por crianças apoiadas
pela ação social escolar).
Não, não é de liberdade de escolha que se trata coisa nenhuma. É sim de
apoiar clientelas políticas da maioria governamental para que estas se
fortaleçam à custa da delapidação do bem público, seja este a escola pública ou
o dinheiro dos contribuintes. E de cumprir uma obsessão ideológica de combate à
igualdade efetiva de todos em favor da escolha real só de alguns. Os de
sempre.
José Manuel Pureza, aqui