sábado, 24 de agosto de 2013

A CONTA, POR FAVOR!

"Os turistas são piores do que um exército de ocupação"

Este era o grafito mais popular de Roma. Calhou-me uma passagem por Roma e Florença em pleno mês de agosto. Acho que pela primeira vez. O que vi impressionou-me profundamente e instintivamente odiei o conceito de "desenvolvimento turístico".


A violência imposta sobre o espaço e monumentos públicos de Roma e Florença é indescritível, mas pior do que isso é visível o acantonamento a que os residentes destas cidades estão sujeitos.


Desde logo é muito difícil descortiná-los. Hordas de gente e de raças tapam ruas e passeios, para já não falar dos hotspots como, por exemplo, a Fontana de Trevi onde seria para mim crível que a verdadeira tivesse sido retirada pela calada da noite e substituída por gessos ou coisa parecida tal é o abocanhamento que dela fazem milhares de pessoas todos os dias e a todas as horas.


Mas nas ruas e passeios se quiserem descortinar um romano ou um fiorentino têm de firmar o olhar e descobri-lo a tentar passear o cão, pedindo licença literalmente a cada passo no seu próprio bairro.



Por isso se sente raiva quando se lê o texto do grafito com que comecei esta crónica. É que pelo menos os exércitos de ocupação, e Roma foi-o durante muito tempo, tinham regras.



O turismo de massas que hoje submerge os pilares históricos e culturais do nosso mundo não as tem.



Consome as pedras apenas lambendo uma finíssima camada do seu percurso, escurece as paredes com a sua respiração, corrói as estátuas com o seu toque e o seu suor, queima os pigmentos com os seus flashes desenfreados. Só para quando está exausto e agora quando se senta no salão do Cinquecento do Palácio Vecchio em Florença já não olha para os tetos de Vasari, dedilha freneticamente no telemóvel.



Longe de mim traduzir com este desabafo qualquer tipo de superioridade pessoal ou cultural. Também estive muitas vezes em todos estes sítios e em todos eles poderia seguramente ter sido ainda mais cuidadosa, mais respeitosa e sobretudo mais compenetrada da minha ridícula insignificância cultural e histórica.



Alego apenas a meu favor uma cada vez mais profunda consciência da delicadeza deste ecossistema e da reflexão que se impõe do ponto de vista das políticas públicas nesta área.



E o tema é tanto mais sério quanto mais impossível de gerir administrativamente. O património monumental e cultural da Humanidade é isso mesmo: de todos nós.



No entanto, a necessidade de o tratar sempre como um legado que se passa, se possível mais enriquecido à geração a seguir, e o facto de o espaço onde se inscreve ser partilhado com os seus "donos" naturais devem fazer-nos pensar.



Quantas mais vezes têm as avenidas de Roma de ser reabilitadas? Quanta mais rede de iluminação pública deve ser disponibilizada? Quanto mais energia elétrica deve ser paga? 



Quanta mais água, mais limpeza, mais segurança?



Quem paga?



As receitas diretas das visitas aos monumentos e sítios de interesse não chegam para os preservar e as receitas indiretas geradas pelo impacto na economia são muito variáveis tendo em conta os ciclos económicos. Há certamente uma enorme desproporção entre o que se arrecada em impostos e o acréscimo de investimento/despesa pública a que estas cidades se obrigam.



A prová-lo as taxas de pernoita que são cada vez mais caras e mais comuns e que escapam aos orçamentos iniciais dos turistas. Ou as taxas sobre a música que não pedimos. Ainda esta semana li no "La Repubblica" a história de quatro cafés e três cervejas bebidos na Praça de S. Marcos cujo total perfez 100,80 euros. 42 euros de taxa de música!



O caso teve chamada de primeira página e começou por ser narrado nas redes sociais. "Turisti increduli, è polemica".



Mas a conta mais alta não é esta. A conta mais alta é a que não pode ser paga com dinheiro. O modus vivendi e a genuinidade destes espaços que se perdem expulsam os turistas que a prazo se sentirão enganados.



Como em Veneza onde já não há venezianos. Apenas marionetes num cenário que se despede.



Cristina Azevedo, aqui