Cavaco Silva recusou a proposta do PSD e do CDS para uma coligação reforçada e pôs o Governo em gestão corrente e quer que o PS assine um acordo com medidas de austeridade que sempre recusou, tudo isto para eleições antecipadas marcadas com um ano de antecedência.
E acredita que, sem um acordo, haverá um Governo de salvação nacional, leia-se de iniciativa presidencial, até Junho de 2014 com força e legitimidade política para cumprir o memorando assinado com a ‘troika' e livrar o país do segundo resgate. Percebeu? Eu também não.
Cavaco Silva conseguiu o que parecia impossível, isto é, prolongou a crise política que estava instalada por responsabilidade directa de Paulo Portas e Pedro Passos Coelho, agravou-a com uma iniciativa política que não tem uma decisão, mas várias saídas frágeis e, na prática, impossíveis de garantir o que o próprio diz ser necessário evitar, o segundo resgate.
A decisão de Cavaco tem um pano de fundo inquestionável: este Governo, mesmo reforçado, não garante a fiabilidade necessária para cumprir a legislatura, falhou na reforma do Estado, que deixou para segundo plano, preferindo esmagar a economia com impostos. E, por isso, o calendário político estava marcado e Cavaco não precisava de o enunciar.
O melhor que poderíamos esperar seria um Governo de coligação que garantisse a transição para o programa cautelar, a partir de meados de 2014, cumprindo, na medida do possível, e com a melhor renegociação possível das metas do défice e da dívida, o acordo com a ‘troika'. Já não era coisa pouca, e, por isso, a seguir, Portugal teria de ir para eleições. Não antes. Num modelo à Irlandesa, isto é, comprometendo os três partidos do arco da Governação com um novo acordo e, logo a seguir, eleições.
Este tipo de acordo não precisa de corresponder a um bloco central de políticas, mas a um compromisso de objectivos de redução da despesa pública em percentagem da riqueza criada (PIB), de défice e de dívida. E, certamente, nenhum dos três partidos o recusaria.
Agora, apesar da retórica das palavras dos líderes do PSD, PS e CDS, ninguém quer verdadeiramente um acordo. Querem, agora, aproveitar a precipitação do Presidente para garantirem que a responsabilidade, agora, passará para Belém.
Cavaco Silva deveria ter obrigado este Governo a dialogar com o PS, como era sua obrigação, há mais de ano e meio, porque, nesse aspecto, tem razão, só um acordo a três permitirá de facto a base política de apoio para mudarmos de vida, para um novo contrato social que, mais tarde ou mais cedo, vai ser uma realidade. António José Seguro fez um esforço genuíno, absteve-se no primeiro orçamento, mas, a partir dai, foi convidado a afastar-se de um entendimento estratégico.
Coisa que o próprio agradeceu, até para ganhar fôlego interno. Nesse momento, e em outros, vários, Cavaco não fez o que deveria ter feito e, agora, parece tomar uma decisão de força, parece querer afirmar que é Presidente, mas na prática tenta responsabilizar os partidos pelo que vier a suceder. Da pior forma. Porque mantém um Governo, este ou mesmo o de salvação nacional, em gestão corrente.
Não há uma saída fácil desta crise, porque, agora, já envolve o mais alto magistrado da Nação, não há outra instância política superior que possa arbitrar este caos institucionalizado. Cavaco, eventualmente, já terá nas mãos o desenho de Governo que quer, já saberá quem deverá ser o novo primeiro-ministro, mas qualquer que venha a ser a solução será fraca - porque os partidos do arco do Governo só a apoiarão para não aparecerem na fotografia como os culpados. A alternativa, a única que é de facto clarificadora, será a de eleições antecipadas até ao final de Setembro, mas, como disse o Presidente, isso significará o segundo resgate, com consequências que não são sequer possíveis de medir hoje.
António Costa, aqui