terça-feira, 18 de junho de 2013

ERA UMA VEZ...


Era um passarinho caído do ninho. Mais precisamente um pardal, um pardalito tontelas, de asas molhadas de medo

Os irmãos tinham-no empurrado, sem querer, e ali estava ele, a pisar pela primeira vez o chão áspero que lhe feria o macio das patas. Dava saltinhos, a ensaiar o voo, mas ainda estava longe de saber voar. Que ia ser dele? 

Viu uma formiga, a correr de um lado para o outro, e pediu-lhe, num fiozinho de choro: 
- Ajuda-me. 

Ela nem lhe respondeu, atarefada que andava, lá na vida dela. 

Viu um besouro, a voar em círculos, e pediu-lhe: 
- Ajuda-me. 

Mas o besouro, talvez por culpa do motor barulhento que o sustinha no ar, nem lhe ligou. 

Viu uma andorinha nem que uma seta, a rasar o chão, e pediu-lhe: 
- Ajuda-me. 

Mas já a andorinha ia muito longe, a apagar-se no céu. 

Que ia ser dele? 

Havia de vir um gato e dar-lhe uma sapatada. 

Havia de vir uma cobra e dar-lhe uma picada. 

Havia de vir um cão e dar-lhe uma dentada. 

Mas veio uma menina que andava a colher amoras para dentro do chapéu de lona, e levou-o com ela. 

O pardalito nem se atrevera a pedir-lhe ajuda. Ela é que o achara e ameigara nas mãos em concha, como se fosse em ninho. 

Levou-o para casa. Deu-lhe pãozinho. Deu-lhe miminhos. 

Eu conheço essa menina. E também o pardalito, agora um pardal pardalão que não se cansa de voar. 

Mas por onde quer que ande, no seu agitado voo de pardal aventureiro, de uma coisa se não esquece. Todos os dias, à mesma hora, bate com o bico na vidraça da janela. A menina abre-a e dá-lhe as migalhas da merenda. Depois, o atrevido salta-lhe para o ombro e pica-lhe, num desafio de ternura, a polpa da orelha. A menina encolhe-se num riso e ele foge a gorjear de alegria.

António Torrado  e Cristina Malaquias, aqui