terça-feira, 18 de junho de 2013

A ESQUERDA NÃO EXISTE


Mário Soares organizou há duas semanas o congresso das esquerdas, onde estiveram representantes do PS, PCP e BE, e já muita gente sonha com uma frente de esquerda em Portugal.

Para não parecer que só tem olhos para a direita, António José Seguro – que não esteve no congresso organizado por Soares – fez visitas às sedes do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, levando algumas pessoas a acreditar que pode estar em gestação um Governo PS-PCP-BE (ou, pelo menos, PS-BE).

Ora, esta hipótese é impossível.

A ‘esquerda’ em Portugal é uma abstracção, uma simples ‘palavra’ sem conteúdo político.

A divisão em Portugal não é entre ‘esquerda’ e ‘direita’– mas entre partidos que se reconhecem na sociedade de mercado e partidos que não se reconhecem nela.

Entre partidos que a aceitam e partidos que a rejeitam.

Assim, temos de um lado o PS, o PSD e o CDS – e doutro lado o PCP e o BE.

A HISTÓRIA do país desde o 25 de Abril é o espelho desta realidade.

Já houve todas as combinações governativas possíveis entre o PS, o PSD e o CDS (governos do PSD sozinho, do PS sozinho, do PS com o PSD, do PS com o CDS, do PSD com o CDS), mas não tivemos nenhum Governo integrando o PCP ou o BE.

O PS, o PCP e o BE podem aliar-se para derrubar um Governo, mas nunca conseguirão juntar-se para formar um Governo.

Podem fazer uma aliança negativa mas nunca conseguirão construir uma aliança positiva.

Para pôr de pé um programa de Governo é necessário haver uma base comum.

É necessário haver um modelo em que os partidos se reconheçam sem reserva mental.

E desse modelo faz parte: defender a democracia representativa, aceitar os compromisos europeus, reconhecer a importância das empresas, respeitar o papel dos bancos, etc.

O PS, o PSD e o CDS partilham sem reservas estes princípios.

Mas o PCP e o BE não.

Comunistas e bloquistas fazem da rua e não do voto a sua forma preferencial de afirmação; desconfiam das empresas; afrontam os bancos e os banqueiros; acham que tem de ser o Estado a liderar a economia e põem toda a ênfase no investimento público.

MÁRIO Soares sabe isto muito bem.

Ele hoje organiza congressos da ‘esquerda’ porque está fora do poder.

Mas, quando teve responsabilidades políticas, quando estava no activo, fez acordos de governo com quem?

Com a esquerda?

Não: fez um Governo do PS sozinho, um Governo PS-CDS e um Governo PS-PSD.

António José Seguro faz hoje exactamente o mesmo: vai dialogando com a esquerda para não dar argumentos aos jovens turcos do PS (e ao ‘actual’ Mário Soares), mas sabe que na hora da verdade aqueles com quem poderá coligar-se não estão à sua esquerda mas à sua direita.

Com o PCP e o BE o Partido Socialista poderá organizar manifestações contra o Governo, poderá bater em Passos Coelho e Cavaco Silva, poderá vociferar contra a troika, mas quando se tratar de governar, de fazer programas, de estabelecer entendimentos, terá de se virar para a direita.

Como alternativa de poder, a esquerda em Portugal não existe.

P.S. – Sobre a polémica que envolveu recentemente Sousa Tavares, discutiu-se se era legítimo ou não chamar «palhaço» ao Presidente da República. O problema foi mal colocado. É evidentemente inadmissível chamar «palhaço» a alguém. Não por razões institucionais, mas por uma questão elementar de boa educação.

José António Saraiva, aqui