Depois da saída de Miguel Relvas do Governo, os ataques centraram-se em Vítor Gaspar.
Era previsível. Mas não deixa de ser ridículo. Compreendo que os colegas de Gaspar no Governo o detestem.
Que Álvaro Santos Pereira, Paulo Macedo, Paula Teixeira da Cruz, Nuno Crato ou Miguel Macedo não possam com ele, e que os ministros do CDS o considerem o inimigo número um.
Não é possível gostar de um colega de equipa que lhes nega, uma após outra, as pretensões, dizendo friamente: «Não há dinheiro!».
Não é possível gostar de um colega de equipa que lhes nega, uma após outra, as pretensões, dizendo friamente: «Não há dinheiro!».
Ou que os obriga a fazer cortes que já não se limitam às gorduras mas à própria carne.
Também compreendo que muitos portugueses não gostem dele – porque o vêem como o cobrador de impostos, o homem do fraque.
Quem não se lembra dos ódios que suscitava, dentro e fora do Governo, Manuela Ferreira Leite quando era ministra das Finanças de Durão Barroso?
E das pressões que teve de suportar o ministro das Finanças de Sócrates, Teixeira dos Santos, não apenas dos outros ministros mas do próprio primeiro-ministro (que não queria que ele revelasse a verdadeira situação do país, chegando ao ponto de cortar relações com ele e não voltar a dirigir-lhe a palavra)?
Este período está muito bem descrito no livro Resgatados,de David Dinis e Hugo Filipe Coelho.
Por definição, o ministro das Finanças é o mau da fita.
Tem um papel ingrato, do qual ninguém gosta, porque é muito desagradável estar constantemente a dizer que não.
Mas alguém tem de desempenhar este papel – sob o risco de os países irem à falência.
Entretanto, se é natural que os companheiros do Executivo e muitos portugueses não gostem de Vítor Gaspar, já compreendo menos bem as críticas de muitos comentadores.
Porque eles sabem (ou deviam saber) que a grande luta que Portugal trava neste momento é entre a ‘exigência’ e o ‘facilitismo’.
Durante muito tempo vivemos sob o signo do facilitismo, gastando muito mais do que podíamos, e a partir de agora temos de viver sob o signo da exigência.
E quem será o primeiro guardião da exigência?
Por natureza do cargo, tem de ser o ministro das Finanças.
Para o bem e para o mal, o rosto da exigência em Portugal, neste momento, é Vítor Gaspar.
Mas há mais. Como gestor das finanças públicas, o titular da pasta das Finanças é o guardião do nosso dinheiro.
E ninguém gosta que o seu dinheiro seja mal gasto.
Portanto, quando se diz que Gaspar é um sovina, é um forreta, é um unhas-de-fome, isso deveria ser visto como um elogio e não como uma crítica.
Criticado deveria ser o ministro se fosse um mãos-largas, um esbanjador, não cuidando devidamente de um dinheiro que resulta da contribuição de todos nós.
Que muitos cidadãos não vejam esta evidência, ainda se compreende.
Mas que os comentadores não o entendam, é mais difícil de perceber.
Dizer ou escrever que o ministro das Finanças deve sair por ser ‘impopular’ é uma coisa perfeitamente ridícula.
O ódio aos ministros das Finanças, em todo o mundo e em todas as épocas, é dos livros.
O ministro das Finanças é, por definição, impopular – e, quando tal não acontece, é caso para desconfiar.
Cavaco Silva sabe-o melhor que ninguém, até porque já ocupou o cargo.
Por isso, tem pedido a Gaspar para se manter no seu posto.
O Presidente tem a perfeita noção de que a saída de Gaspar do Governo seria um sinal péssimo, do ponto de vista interno e externo.
Do ponto de vista interno, equivaleria a dizer: «Agora, que o tipo foi corrido, já podemos gastar à vontade».
Do ponto de vista externo, levantaria a suspeita: «Por que razão os tipos mandaram embora um ministro duro e exigente? Quererão voltar ao passado de facilitismo e esbanjamento?».
E isto seria especialmente grave numa altura em que a troika está com um pé no estribo para sair do país, e
Portugal precisa de voltar aos mercados.
Aliás, o resultado da emissão de dívida da semana passada mostra que o país está no rumo certo.
José António Saraiva, aqui
