Um país faz-se de bens comuns.
De processos concretos que dão um sentimento
de comunidade capaz de agregar a diversidade sem a pôr em causa. Um país faz-se
de coesão capaz de contrabalançar a heterogeneidade sem a sufocar.
E o primado da comunidade e da coesão - da coesão territorial, da coesão social, enfim o primado do país - impõe escolhas.
E o primado da comunidade e da coesão - da coesão territorial, da coesão social, enfim o primado do país - impõe escolhas.
Num país como Portugal, ele impõe, por exemplo, beneficiar o interior mesmo quando a racionalidade económica não o justifique. Ou beneficiar os mais pobres mesmo quando a ideologia dominante aponta para a sua penalização social.
Na história dos países europeus, o serviço público de correios foi um dos
mais importantes instrumentos desse princípio de coesão. O sentimento de
comunidade que resulta de, no espaço nacional, ser prestado a todos por igual um
mesmo serviço de distribuição domiciliária de correio (desde 1821 entre nós) ou
de a todos ser aplicada uma tarifa única independentemente da distância
percorrida pela sua carta no território nacional (criação inglesa em 1839), faz
parte desse património longamente sedimentado de edificação das nações. Devemos
aos correios públicos uma parte importante das comunidades nacionais que
somos.
Para o credo liberal que hoje governa Portugal e a Europa, o primado da
coesão pertence ao domínio da irracionalidade e da ineficiência. Sim, quem nos
governa acha mesmo que a coesão é irracional, ou não fossem discípulos de
Margaret Thatcher e do seu célebre: "não existem sociedades, só existem
indivíduos e famílias." São apologistas do deslaçamento social e territorial e
não hesitam em destruir países para o concretizar. A sua estratégia de
privatização dos correios é exemplo maior disso.
Desde 1997 o desmantelamento dos correios públicos fez caminho na Europa. O
argumentário é o do costume: o monopólio público é um erro (porquê?) e a
liberalização do serviço trará modernização, preços mais baixos e mais empregos
(onde é que já ouvimos isto?). Os resultados também são os do costume:
destruição dramática de postos de trabalho, encerramento em série de postos de
atendimento, deterioração geral do serviço prestado às pessoas.
O cenário de abate dos correios públicos chegou a Portugal pela mão do PEC
IV, convém lembrar. Os seus arautos, desde então, dizem-nos aqui o mesmo
bla-bla-bla que disseram em toda a Europa. E acrescentam que o fim dos encargos
com este setor será mais um alívio para as contas públicas e permitirá uma
injeção de ambição e de qualidade que só os privados podem dar. Dupla
mistificação. Primeiro, os CTT são uma empresa lucrativa, dão dinheiro ao Estado
e ao país: 106,5 milhões de euros em 2011 e 2012, 438,7 milhões acumulados desde
2005.
É esta empresa lucrativa, com um volume de negócios anual superior a 710
milhões de euros, que se vai vender. Obviamente para dar lucro a quem a comprar.
Sobre a dita injeção de ambição e qualidade, que sirva de lição a experiência
estrangeira: na Holanda, o operador privado pretende limitar a três dias a
distribuição de correio, sob a ameaça de que "se os políticos quiserem o correio
distribuído seis dias por semana, então terão de o financiar".
A ambição e a
qualidade traduzir-se-ão em abolição de todas as prestações de serviço público
que se revelem menos lucrativas ou deficitárias. E o resultado será o fim da
operação em zonas rurais, a supressão da tarifa única e encerramentos em massa
na rede de postos de correio.
Aos que insistem em achar que lutar contra esta privatização é um preconceito
ideológico e que defendê-la é pragmático, eu respondo: defender a privatização
dos CTT é fragilizar gravemente a coesão social e territorial do País.
Conscientemente. Deliberadamente. Querem algo mais teimosamente ideológico que
isto?
José Manuel Pureza, aqui
