Vinte mil, trinta mil, cinquenta mil.
Não passa um dia sem que apareça uma
nova versão sobre quantos serão os funcionários públicos a despedir. E não vale
a pena lembrar as palavras enfaticamente proferidas pelo ministro Portas sobre
"as rescisões serem de mútuo acordo".
São pura e simplesmente despedimentos,
como todos sabemos, inclusive o líder do CDS.
Porém, ninguém do Governo foi ainda capaz de explicar qual a razão para
estarmos a falar de vinte ou cinquenta mil despedimentos na função pública.
Salvo melhor opinião, despede-se esta gente toda porque há necessidade de
fazer cortes. Como agora já sabemos que a história dos custos intermédios era
uma versão da da carochinha e os ditos serão em salários e pensões, saca-se da
máquina calculadora e zás: têm de ir estes para a rua. Depois põe-se um ar sério
e diz-se que é uma reforma.
Eu também sou daqueles que instintivamente diriam que há funcionários
públicos a mais, mas antes gostava de saber que tipo de funções se quer para o
Estado, que tipo de organização e métodos existem e que soluções se defendem
para os melhorar. Até aí estes milhares de despedimentos não passam de medidas
avulsas, sem racionalidade, sem estratégia e em que se corre o sério risco de
estar a fragilizar ainda mais o já fraco Estado.
Em primeiro lugar, que Estado se quer? Quais as funções, qual o papel que
deve desempenhar na comunidade? Só a partir deste ponto é que podemos saber se
há funcionários públicos a mais ou a menos.
E é preciso dizê-lo com clareza:
este Governo ou não sabe o que quer do Estado ou esqueceu-se de nos explicar.
O Estado, ao mesmo ritmo que foi crescendo, foi esquecendo as suas funções
essenciais. A justiça é um excelente exemplo dessa realidade, bem como a outro
nível a regulação - que pouco mais é do que uma emanação das empresas que
dominam o mercado - e outras funções se poderiam acrescentar. Tanto a dispersão
de verbas como a de enfoque fez que as funções-chave se deteriorassem tanto ao
nível dos profissionais que conseguem muito melhores compensações no sector
privado, como no investimento em meios.
Em segundo lugar, é fundamental olhar para o actual funcionamento do Estado.
Não é possível aos serviços do Estado funcionarem de forma aceitável quando há
um emaranhado de leis e regulamentos que entopem qualquer tipo de processo.
O
Estado funciona demasiadas vezes como se o seu papel fosse dificultar a vida às
pessoas e às empresas de modo que sejam precisos ainda mais funcionários para
tentar desenrolar o novelo. E nesta situação tanto há responsabilidades dos que
foram entupindo o Estado em legislação como dos que não modernizam a sua
estrutura, quer simplificando a organização e os métodos de gestão quer ao nível
da formação.
E importa fazer uma nota. Ouve-se muito a comparação dos métodos de gestão e
organização entre o Estado e as empresas: digamos apenas que a falta de
organização e de competências de gestão em Portugal está longe de ser monopólio
do Estado, basta ver os nossos índices de produtividade.
Não será baixando sistematicamente os salários dos funcionários públicos ou
tratá-los como se eles fossem os culpados de todos os males no funcionamento do
Estado que se vai melhorar o desempenho da máquina estatal Longe disso. Esse
tipo de medidas e de atitude perante os funcionários públicos afasta os melhores
quadros da órbita do Estado prejudicando toda a comunidade.
Reformar exige que se saiba exactamente o caminho que se quer tomar, impõe
uma enorme dose de negociação e outra igual de firmeza, obriga a uma preparação
aturada de todos os passos, a uma permanente avaliação dos sucessos e insucessos
e, já agora, que não se destrua o que os nossos antecessores foram fazendo.
Exige sobretudo tempo. E, aí sim, são precisos consensos que ultrapassem
legislaturas.
Grande ou pequeno, independentemente da opção política e ideológica, um
Estado fraco não é opção. Mas despedindo indiscriminadamente e cortando
cegamente é isso que irá acontecer. Só que há um problema: a democracia e o
Estado de direito não se dão bem com Estados fracos.
Pedro Marques Lopes, aqui