Esqueço-me sempre de algum bocado dentro de algum livro ou de alguma gaveta.
E às vezes percebo que não sei onde fiquei ou descubro que afinal foi ali que fiquei.
Algures numa fotografia qualquer para a qual já não olhava há muito tempo. Ou dentro daquelas calças que já não servem a este corpo que sou hoje.
Não sei de mim. É no que dá andar para aqui a querer fazer mudanças. Arrastar móveis, limpar vidros, arrumar armários.
É no que dá convencer-me que estamos na Primavera e querer uma em mim.
De cada vez que o dia amanhece espero sempre ser capaz de fazer o mesmo.
Custa muito acordar do tamanho de nada.
Hoje podia ser mentira. Tudo aquilo que sei do mundo.
Amanhã podia ser outra a verdade. O mesmo mundo de outra cor qualquer.
Hoje podia lembrar-me onde é que me deixei ficar e ser capaz de ir lá buscar-me.
Amanhã eu podia ser verdade e o mundo ser feito dela.
Vou parar com as arrumações. Pousar-me um bocadinho.
Pode ser que sonhe comigo e me lembre onde fiquei.
Amanhã vou acordar do meu tamanho.
Cristina Gameiro, aqui