terça-feira, 23 de abril de 2013

ERA UMA VEZ...

MANUEL E OS PÁSSAROS
No tempo em que os meninos trabalhavam de criados, havia uma patroa muito má que tomara a seu serviço um rapazinho, o Manuel, a quem dava ordens por tudo e por nada, qual delas a mais disparatada


No quintal, a senhora dona tinha uma figueira que, nesse ano, dera um único figo. Pois não é que a maluca da mulher exigiu ao Manuel que estivesse todo o tempo de atalaia, não se desse o caso de os pássaros cobiçarem o figuinho? 
- Quero comê-lo, quando estiver maduro. Ai de ti, se deixares os melros roubarem-no. 

Bem os afugentava o garoto, mas os passarocos de bico cor de laranja são teimosos. E gulosos... Às duas por três, adeus figuinho. 
- Maldito miúdo. Vais pagar-mas - gritou a megera. 

E meteu-o de castigo numa pipa vazia, às escuras. Sorte para o Manuel que os melros tivessem sabido. Logo convocaram os pica-paus e outros passarinhos de bico duro. Todos juntos, toc toc toc, libertaram o Manelinho. 

Depois, uma águia, que também tinha sido chamada para ajudar, levantou o rapazinho nos ares. 

A patroa viu-os e foi buscar uma caçadeira, mas já não chegou a tempo. Era mesmo má a criatura. 

A águia sobrevoou montes, campos, pinhais, aldeias, como se andasse à procura não se sabe de quê, até que poisou o Manuel num quintal, onde havia uma figueira. Depois, bateu as asas e desapareceu. 

O rapaz, ainda meio tonto, viu a figueira e nela um único figo lampo. ?Que desgraça a minha. Vai voltar tudo ao princípio", pensou o Manuel. 

De dentro da casa, donde era o quintal, apareceu uma velhota. O miúdo encolheu-se e pensou: "Estou mesmo com azar. Esta há-de ser ainda mais torta do que a outra". 
- Como te chamas? - perguntou a velha. 
- Manuel, para a servir. 
- Para me servires? - riu-se a velha, num riso desdentado. - Eu nunca tive criados, mas querendo, podes ficar a cuidar-me da horta. Queres? 
- Sim, minha senhora. 
- Estamos acertados. E, olha, enquanto te preparo umas sopas, lambe-te com aquele figuinho único que a figueira me deu. 
- A senhora não o quer para si? 

A velhota fez uma careta. 
- Não me dou bem com figos e tu puseste-te a olhar para ele como nunca vi ninguém olhar para um figo. Deve ser da fome que trazes. 

O Manuel chamou a si o figo e pronto. Enquanto saboreava o figo e a velhinha, enternecida, sorria para ele, o Manuel pensou: "Valera a pena conhecer as alturas, porque a águia sabia onde me deixava." 

Também estamos em crer que sim. As águias, lá de cima, vêem muito, olá se vêem.

António Torrado e Cristina Malaquias, aqui