Passos Coelho, que no início do seu mandato jurou a pés juntos nunca ir
desculpar-se com o passado, passou o debate parlamentar da última quarta-feira a
fazê-lo.
Nada de muito surpreendente, não sobra mais nada que se assemelhe, sequer
vagamente, a discurso político. O slogan do "vamos atingir os 4,5% de défice
custe o que custar" morreu e a bravata do "nem mais tempo nem mais dinheiro"
soçobrou à realidade. Já não há metas nem luzes ao fundo do túnel para apontar.
Com o desaparecimento das narrativas o discurso, que já não era propriamente
fluente nem bem estruturado, tornou-se errático, sem sentido. Atiram-se
simplesmente uns assuntos para o ar.
Invocam-se os cortes de 4000 milhões de euros que o Estado francês vai fazer
para justificar os cortes do mesmo valor que o Governo português tenciona
realizar. Uma comparação destas, aliás, só pode ter sido feita por má-fé ou por
pura ignorância. Só alguém muito distraído pode acreditar que cortes deste valor
em França e em Portugal têm os mesmos efeitos.
Alguém que ignore que cortar 4000
milhões de euros no Estado social francês e português não é a mesma coisa.
Alguém que não conheça a extensão do Estado Social português e francês. Alguém
que não saiba a diferença entre os salários, pensões e prestações sociais em
Portugal e em França. De facto, é difícil acreditar que um primeiro-ministro
desconhece estas realidades.
Faz-se um discurso sobre o valor do salário mínimo que apenas nos recorda o
distanciamento do primeiro-ministro face à realidade das empresas portuguesas e
o desconhecimento sobre as razões dos números do desemprego. Disse Passos Coelho
que, apesar de não o tencionar baixar, acreditava que o desemprego baixaria se
existisse uma redução do salário mínimo.
Não há empresário que possa dizer com verdade ao primeiro-ministro que a sua
quinquagésima fonte de preocupação é o valor do salário mínimo. Falarão do custo
de electricidade, água, gás; falarão da incomportável carga fiscal; falarão da
burocracia, dos licenciamentos e afins; mas sobretudo falarão da impossibilidade
de se financiarem e da falta de clientes. Em termos muito simples: não havendo
crédito para as empresas funcionarem nem clientes para se vender os produtos não
há postos de trabalho.
Não existirá um único empresário digno desse nome que lhe
diga que se o salário mínimo, com o actual valor, diminuir contratará mais
trabalhadores. Mais, existirão seguramente muitos empresários a pedir para que
se aumente o salário mínimo como forma de aumentar a procura interna, que,
convém recordar, é importante tanto para as empresas que trabalham para o
mercado interno como para as que exportam.
Pode haver uns senhores, que de empresários só terão o nome no cartão de
visita, que digam que uma diminuição do salário mínimo lhes permitirá manter as
suas empresas no mercado. É muito simples: uma empresa que baseie o seu modelo
de negócio em baixos salários, no limite precise que estes sejam ainda mais
baixos do que 485 euros, já está morta.
Como diria o Presidente da Republica,
citando talvez La Palisse, "não é com baixos salários que se garante a
competitividade das empresas". Existirão sempre Chinas. Um país como Portugal se
quer assinar a sua sentença de morte económica basta-lhe apostar num modelo
baseado em baixos salários, em baixas qualificações, em produtos com pouco valor
acrescentado.
O empobrecimento é apenas um dos passos para essa morte.
Já não há discurso. Sobram estes pedaços de coisa nenhuma, desligados de
qualquer estratégia ou rumo.
Resta o passado. Vamos nos próximos tempos ouvir falar muito dos erros do
passado, e, como bem sabemos, é um tema sem fim. Foram muitos. No passado
recente, no menos recente, no ainda menos recente, no início do processo
democrático, no Estado Novo, e por aí fora.
Mas é, no fundo, a admissão da derrota. Quando se desiste de lutar, quando
não se é capaz de encontrar soluções, há sempre o passado para culpar. O
passado, em política, é o último refúgio do fracasso.
Pedro Marques Lopes, aqui