segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

INDIGNAÇÃO E CONTRAINDIGNAÇÃO

Nesta quinta-feira, os trabalhadores ferroviários, a que se juntaram os reformados do setor e muitos familiares, manifestaram-se em diversos pontos da Linha no Norte, interrompendo durante horas a circulação de comboios na principal artéria do nosso depauperado caminho de ferro.


O protesto tinha, na sua origem, o anúncio do fim de benesses históricas, a que sempre tiveram direito, nomeadamente o transporte gratuito nos comboios da CP, que abrangiam os trabalhadores, os reformados e os seus familiares.

Compreende-se, naturalmente, que um direito adquirido há mais de 100 anos, e que agora lhes é retirado, cause consternação e justifique um protesto. Todos nós somos sensíveis à perda dos nossos direitos adquiridos, ainda que muitas vezes não tenhamos um pensamento solidário quando esses direitos são retirados aos nossos concidadãos. Nesse caso, temos a tendência para pensar que não passam de mordomias. Isso faz parte da natureza humana.

Sucede, contudo, que o nosso legítimo direito ao protesto e à indignação, tal como sucede com o direito à greve ou à manifestação, não pode deixar de ter em conta os legítimos interesses dos outros, principalmente daqueles que em nada contribuíram para as nossas desventuras. Pessoas que, também elas, vivem tempos difíceis e passam por grandes provações.

No caso dos trabalhadores do setor ferroviário, tem sido óbvio, nos últimos tempos, que as suas ações cirúrgicas têm tido, como objetivo, provocar o maior dano possível no dia a dia dos utentes da empresa. Dir-se-á, em abono da verdade, que as greves e os protestos só são notícia quando o seu impacto é visível. Sabe-se, também, que as possíveis vantagens que resultam desses protestos dependem, em larga medida, do desconforto que causam aos utentes e, até, do dano que causam à empresa.

Mas, como em tudo na vida, há um preço a pagar por essa aposta. Há cada vez mais utentes da CP que partilham um sentimento de revolta por serem prejudicados, na sua vida diária, por uma classe que, apesar de tudo, tem alguma proteção de que eles não gozam. Porque, desde logo, e sendo a empresa pública, têm garantias que muitos dos utentes gostariam de ter, também, na sua atividade profissional.

Como me dizia alguém que foi prejudicado por este último protesto, "eu pago bilhete, e sou prejudicado por borlistas, por quem não quer pagar bilhete". Sentia-se, também, ultrajado por os manifestantes terem tido um comportamento agressivo, por terem atingido as composições com murros nos vidros e com palavras de ordem que considerava injuriosas para quem, como ele, era apenas um passageiro e utente da CP.

É verdade que a maioria esmagadora dos portugueses tem, ainda, uma grande tolerância para estes atos, e simpatiza ou pelo menos respeita o protesto dos outros, mesmo que isso lhes cause problemas. Para já, o sentimento de contraprotesto é, em larga medida, silencioso, sussurrado entre dentes. As pessoas resignam-se, e preferem descarregar o seu descontentamento sobre os mais poderosos. Há, no entanto, sintomas de que essa tolerância se está a esgotar. Até a intervenção serena das forças da ordem, que têm tido um comportamento exemplar, começa a ser, em alguns casos, criticada.

Se não houver prudência, se não houver bom senso, a defesa da ordem ressurgirá, no discurso público, como uma alternativa às vozes de protesto. E, depois, ensina-nos o passado que essa alternativa não deixará nunca de engrossar, acentuando as clivagens que já existem na nossa sociedade.

Razão bastante para que aqueles que protestam, que se indignam, que se manifestam tenham sempre presente que, independentemente dos seus direitos, têm o dever de respeitar os direitos dos seus concidadãos. Os milhares de passageiros que ficaram retidos durante horas na Linha do Norte, ou que por essa razão sofreram com os atrasos por um protesto não anunciado, não têm culpa, e dificilmente simpatizarão com quem lhe causou, naquele dia, um tão forte prejuízo.

Retirada daqui