Nesta quinta-feira, os trabalhadores ferroviários, a que se
juntaram os reformados do setor e muitos familiares, manifestaram-se em diversos
pontos da Linha no Norte, interrompendo durante horas a circulação de comboios
na principal artéria do nosso depauperado caminho de ferro.
O protesto tinha, na sua origem, o anúncio do fim de benesses históricas, a que sempre tiveram direito, nomeadamente o transporte gratuito nos comboios da CP, que abrangiam os trabalhadores, os reformados e os seus familiares.
O protesto tinha, na sua origem, o anúncio do fim de benesses históricas, a que sempre tiveram direito, nomeadamente o transporte gratuito nos comboios da CP, que abrangiam os trabalhadores, os reformados e os seus familiares.
Compreende-se, naturalmente, que um direito adquirido há mais de 100 anos, e
que agora lhes é retirado, cause consternação e justifique um protesto. Todos
nós somos sensíveis à perda dos nossos direitos adquiridos, ainda que muitas
vezes não tenhamos um pensamento solidário quando esses direitos são retirados
aos nossos concidadãos. Nesse caso, temos a tendência para pensar que não passam
de mordomias. Isso faz parte da natureza humana.
Sucede, contudo, que o nosso legítimo direito ao protesto e à indignação, tal
como sucede com o direito à greve ou à manifestação, não pode deixar de ter em
conta os legítimos interesses dos outros, principalmente daqueles que em nada
contribuíram para as nossas desventuras. Pessoas que, também elas, vivem tempos
difíceis e passam por grandes provações.
No caso dos trabalhadores do setor ferroviário, tem sido óbvio, nos últimos
tempos, que as suas ações cirúrgicas têm tido, como objetivo, provocar o maior
dano possível no dia a dia dos utentes da empresa. Dir-se-á, em abono da
verdade, que as greves e os protestos só são notícia quando o seu impacto é
visível. Sabe-se, também, que as possíveis vantagens que resultam desses
protestos dependem, em larga medida, do desconforto que causam aos utentes e,
até, do dano que causam à empresa.
Mas, como em tudo na vida, há um preço a pagar por essa aposta. Há cada vez
mais utentes da CP que partilham um sentimento de revolta por serem
prejudicados, na sua vida diária, por uma classe que, apesar de tudo, tem alguma
proteção de que eles não gozam. Porque, desde logo, e sendo a empresa pública,
têm garantias que muitos dos utentes gostariam de ter, também, na sua atividade
profissional.
Como me dizia alguém que foi prejudicado por este último protesto, "eu pago
bilhete, e sou prejudicado por borlistas, por quem não quer pagar bilhete".
Sentia-se, também, ultrajado por os manifestantes terem tido um comportamento
agressivo, por terem atingido as composições com murros nos vidros e com
palavras de ordem que considerava injuriosas para quem, como ele, era apenas um
passageiro e utente da CP.
É verdade que a maioria esmagadora dos portugueses tem, ainda, uma grande
tolerância para estes atos, e simpatiza ou pelo menos respeita o protesto dos
outros, mesmo que isso lhes cause problemas. Para já, o sentimento de
contraprotesto é, em larga medida, silencioso, sussurrado entre dentes. As
pessoas resignam-se, e preferem descarregar o seu descontentamento sobre os mais
poderosos. Há, no entanto, sintomas de que essa tolerância se está a esgotar.
Até a intervenção serena das forças da ordem, que têm tido um comportamento
exemplar, começa a ser, em alguns casos, criticada.
Se não houver prudência, se não houver bom senso, a defesa da ordem
ressurgirá, no discurso público, como uma alternativa às vozes de protesto. E,
depois, ensina-nos o passado que essa alternativa não deixará nunca de
engrossar, acentuando as clivagens que já existem na nossa sociedade.
Razão bastante para que aqueles que protestam, que se indignam, que se
manifestam tenham sempre presente que, independentemente dos seus direitos, têm
o dever de respeitar os direitos dos seus concidadãos. Os milhares de
passageiros que ficaram retidos durante horas na Linha do Norte, ou que por essa
razão sofreram com os atrasos por um protesto não anunciado, não têm culpa, e
dificilmente simpatizarão com quem lhe causou, naquele dia, um tão forte
prejuízo.
Retirada daqui