Ricardo Cabral é economista e professor na Universidade da Madeira.
Na
segunda-feira, deu uma entrevista ao Público. Vale a pena ler o que ele diz.
Quando já se acha que está tudo dito, quando até parece que o clima económico
está a virar, Cabral destrói a narrativa do Governo: a de que a recuperação se
fará pelas exportações e que isso bastará para que o Sol volte a brilhar.
Os argumentos de Cabral são simples. A receita da troika implica um ajustamento externo inconcebível. Tradução: "Um país que nos últimos 236 anos teve apenas sete anos com superavits comerciais - vendeu ao exterior mais do que comprou - se torne um país com um desempenho no sector externo superior à média histórica da Alemanha."
Os argumentos de Cabral são simples. A receita da troika implica um ajustamento externo inconcebível. Tradução: "Um país que nos últimos 236 anos teve apenas sete anos com superavits comerciais - vendeu ao exterior mais do que comprou - se torne um país com um desempenho no sector externo superior à média histórica da Alemanha."
Alguém acredita nesta coisa? É bom notar que este triplo salto teria de
acontecer numa altura em que a Zona Euro vem de uma recessão, pode até não
conseguir sair dela neste trimestre (o ritmo de crescimento nominal das
exportações portuguesas está a cair desde março de 2011). Além de que o nosso
principal parceiro comercial - Espanha - está a arder financeira e
politicamente.
Ricardo Cabral vai mais longe. Diz ele: embora exportar seja fundamental, as
empresas que exportam não vivem no limbo. Elas estão ligadas ao mercado interno:
ou porque também vendem para ele - e, portanto, sofrem com o colapso da procura
-, ou porque têm relações com fornecedores internos, sujeitos a impostos
draconianos, ou ainda porque são confrontados com uma força de trabalho esmagada
pela violência fiscal.
Ou seja: a economia não é compartimentada. Embora quem
exporte sobreviva melhor, não deixa de tornar-se menos competitivo por causa do
contexto.
E qual é o contexto? Além do que já se conhece, o Governo admite que a retoma
prevista para 2014 será pouco ou nada sentida pelas famílias. O contributo do
consumo privado para a taxa prevista de crescimento (0,8% ) será de apenas 0,1
pontos percentuais, o valor mais baixo de todos os episódios de recuperação
registados desde 1961. O mesmo acontecerá com a procura interna, que oferecerá
uma ajuda de apenas 0,2 pontos percentuais, o valor mais baixo nos 53 anos de
observações. É bom perceber que estamos a falar de uma previsão e que as
previsões são sempre otimistas.
No fundo, a coisa está assim: o ajustamento era inevitável, a herança uma
tragédia, mas a recessão está a ser tão profunda que: 1) o desemprego vai a
caminho dos 17%; 2) em proporção do PIB, as empresas devem hoje mais do que
quando começou a crise; 3) a dívida pública está nos 123% e não está
estabilizada; 4) não há crédito e os bancos (em cartel?) continuam a cobrar
juros de usura, apesar de o comprarem barato ao BCE.
Acreditar que o crescimento
surgirá de geração espontânea é não apenas otimista - tem tudo para dar errado.
Veremos
André Macedo, aqui
