terça-feira, 25 de dezembro de 2012

QUERIDO DIÁRIO - X I X

A casa esteve de Natal, havia luzes a piscar do hall à sala, a árvore estava linda e as compras foram feitas.

Os desejos foram embrulhados em papel vermelho com pais natais, as tristezas em caixas douradas com bolas verdes, as saudades embaladas em cartolinas prateadas com estrelas azuis e as alegrias em pacotinhos com laços de seda. Agora aproxima-se a passagem de ano e porque não quero fazer má figura, ontem pela manhã fui à depilação dar um jeito à minha apresentação íntima e acabei por sair de lá com um novo penteado púbico.

A rapariga distraiu-se e esqueceu-se do meu tão reiterado apego ao triângulo do costume - conservador e geométrico, original e aparado: o resultado é o que ela designa por «virilha moderna», que tende para uma forma trapezoidal.

A minha observação de mulheres nuas no balneário do ginásio tem-me mostrado a diversidade possível neste vasto universo que são os penteados íntimos femininos: há o estilo “barbas do senhor capitão”, um universo intocado; o triângulo ”a la nouvelle vague”; a tal “virilha moderna”; um outro a que eu chamo “a mosca” - uns pêlos residuais só na faixa central. Uma opção interessante é o look total. É talvez mais próximo do original, pela aproximação que faz à infância. No fundo é quase como se fosse um pipi de menina, mas com a língua de fora.

Quando entrei na sala de espera já lá estavam mais duas senhoras, que tinham chegado antes de mim. Estavam à conversa uma com a outra, mas ainda consegui ouvir a mais alta (que pedaço de mulher!) dizer para a outra que gostava de listas e de rascunhos e de agendas e de caderninhos, que adorava responder a questionários, de preferência daqueles intermináveis, sobretudo se fossem telefónicos, que coleccionava amostras de cremes e de perfumes que nunca usava, mas que era incapaz de as deitar fora, que tinha mais pares de sapatos do que tuperwares e se arrepiava de prazer quando as meninas das lojas lhe subiam as baínhas das calças, que gastava fortunas em cremes anti-celulite que não fazem efeito, e que também se besuntava com refirmantes para o busto (as mamas, julgo eu!), mesmo sabendo que nunca arrebitarão.

Fiquei com a ideia que no fundo ela gostava que lhe vasculhassem a intimidade e lhe perguntassem se gostava mais do Porto ou do Benfica, ou se bebia água engarrafada ou da torneira.

A outra, mais feiota mas que mesmo assim parecia uma pessoa simpática, dizia que gostava de azul, de cerveja e de gatos, que não gostava de vermelho nem de vodka nem de cães. Dizia ela que a transcende um bocado que haja pessoas que consigam viver em paredes pintadas de vermelho (tão berrante!), que bebam vodka (queima na garganta!!) e que gostem de cães (palhaços, sempre aos saltos e a ladrar!!!), mas que no entanto, imaginava que para essas pessoas o vermelho seja a melhor cor do mundo, a vodka néctar dos deuses, e os cães amigos fiéis.

E por isso, quando ia a casa dessas pessoas, elogiava o sofá branco, bebia água da torneira e sorria para o cão; quando ia a casa dessas pessoas, não desatava a dissertar sobre as qualidades relaxantes do azul, osseificantes da cerveja e abaixadoras de tensão arterial dos gatos: que muito menos se punha a dizer que se vivesse na casa dessas pessoas era capaz de mutilar alguém com um fio de sediela só para ver se fazia nódoas nas paredes ou se disfarçava, e que depois punha o coto desse alguém na vodka para desinfectar porque é só para isso que a vodka serve, e que dava o apêndice mutilado ao cão para ele se calar pelo menos uma horinha.

Parecia uma conversa de gente tôla; como se fosse normal chegar ali, à sala de espera do Gabinete de Estética e começar a dizer para quem quiser ouvir do que se gosta e do que não se gosta!

Felizmente que eu não as conhecia de lado nenhum, porque senão, se estivesse envolvida na conversa, nem sabia o que é que haveria de dizer!

Ainda bem!

Bom, mas se isso tivesse acontecido, para que não parecesse que estava a desviar a conversa, sempre diria que não consigo usar cuecas fio-dental, porque me dão cabo das “almorródias”!

Alma de Deus

(Em reposição: anteriormente publicado no extinto http://blog.oliveiradobairro.net/)