A primeira condição para assegurar o insucesso da reforma administrativa do território consiste na ausência, ou sua percepção, de objectivos políticos claros e compreensíveis: o que se pretende conseguir com a reforma, de que depende o seu sucesso, em que medida irá o futuro ser, por via dela, melhor do que presente.
A segunda condição é uma apreciável ausência de cultura político-administrativa: não saber o que se quer que as autarquias locais façam, nem como, nem com que meios.
A terceira condição assenta uma visão doentiamente centralizadora e distorcida da actividade política democrática: o Estado é que sabe lidar com essa “malandragem” autárquica, que apenas se preocupa em desperdiçar o dinheiro dos contribuintes construindo rotundas e outras futilidades.
A quarta condição traduz a ignorância da realidade e da sua diversidade: não saber o que fazem realmente as diferentes autarquias; ignorar que o município português é o de maior dimensão média na Europa, não se conhecendo razões válidas para reduzir o seu número; não perceber que as diferenças entre os contextos sociais em que as funções de uma freguesia são exercidas no interior transmontano e na cidade de Setúbal têm implicações decisivas na respectiva actividade.
A quinta condição é a falta de coluna vertebral: se está, nalguma medida, previsto no Memorando de Entendimento, então é para fazer, haja o que houver, não importa com que consequências – para manter a bênção financeira. Mesmo que tais consequências sejam irrelevantes do ponto de vista económico, negativas do ponto de vista político e … estúpidas, de qualquer outro ponto de vista.
Por que não estudar seriamente e sem preconceito:
a) A transformação das freguesias “enormes” em municípios, elevando o número destes, dos actuais 308, para uns 340 ou 350 (ex: Carnaxide)*1;
b) A adopção, por decisão dos órgãos de cada município, de modelos de organização territorial diversificados, podendo existir freguesias nuns, nomeadamente nos de maior extensão territorial (ex: Odemira), simples delegações municipais, noutros (grandes cidades, nomeadamente), ou outras formas de organização;
c) O respeito pela regra de que, qualquer que fosse a organização territorial adoptada, o financiamento público do município teria de a suportar, não podendo dela resultar maiores encargos para o Orçamento do Estado.
Não se ignora que a eventual implementação destas ideias imporia uma revisão constitucional. Consideramos, porém, que muitos dos nossos problemas de organização territorial actual decorrem da existência de um modelo organizativo, vertido na Constituição, que se caracteriza por uma uniformização, supostamente racional, imposta a partir do centro, que tende a tratar o território como se de uma matéria prima homogénea se tratasse. É ainda o peso da influência centralista francesa, de que só ganharíamos em nos libertar, agora que já nem os bebés vêm de Paris (e antes que comecem a chegar de Pequim!).
Ora, em larga medida, a riqueza de um território não está na igualdade – está na diversidade.
*1 Recorde-se que, antes de Passos Manuel, existiam em Portugal cerca de 800 municípios
João Caupers, aqui
