Com carradas de razão, vários amigos, conhecidos, ou nem isso ou nada disso
discordam do tom pessimista que, consideram, tenho transmitido nestes artigos.
Para me fazer perdoar por falta tão grave, pareceu-me adequado escrever um texto
positivo com a minha proposta para a salvação do país. No estado em que está o
Estado, mal com certeza não fará.
Na senda do que há largos anos fez Jonathan Swift com "Uma proposta modesta"
e depois se leu nos escritos luminosos do Conde de Abranhos, exponho
humildemente o seguinte a Vossas Mercês.
Proponho que Portugal se assuma como centro de excelência na indústria da
produção e transformação de pobres, também conhecidos como sem cheta, tesos,
miseráveis, sem pilim ou esfomeados. O projeto tem financiamento garantido por
duas razões, ambas ligadas à abundância disponível da matéria-prima.
A primeira é a de que pobres não nos faltam, e a cada dia que passa se
reproduzem como coelhos. Já alguém parou para pensar nem que fosse por um
segundo na magnífica capacidade transformadora de um país que consegue pegar
numa família remediada e pô-la pobre num ápice?
A segunda razão é a de que dispomos de muitos catedráticos da pobreza. São os
seres mais admiráveis da nossa sociedade e perante eles me curvo. Nunca foram
pobres, mas sabem tudo sobre eles. Percebem-nos, admiram-nos, são como o velho
hortelão que no seu cantinho de terra faz medrar repolhos e couves-galegas.
Pobres, querem cada vez mais: haverá melhor prova de amor? É por isso (e só por
isso) que, com deslumbrante coerência, não querem gastar um tostão que seja com
eles. Porque logo o seu número se multiplica.
Comprova-se como a indústria dos pobres é uma bênção para o país: aumenta-se
a produção gastando menos. Ou nada.
Até já temos uma novíssima doutrina tipológica do pobre.
O sucedâneo de pobre, desde logo. Esse é uma ovelha ranhosa: sendo imperioso
trazê-la para o reto caminho. Nesta categoria se inclui a classe média, isto é,
aqueles que ganham o salário mínimo, os pindéricos dos reformados e os
vigaristas que recebem RSI. Acima, todos ricos: percebe-se como ainda há muito
trabalho a fazer.
Chegamos, depois, ao grupo dos verdadeiros pobres. Mas mesmo aí se encontram
os de duvidosa cepa. Porque só serão de qualidade superior (pobres vintage) os
que além de o serem passem fome. Sejamos porém profissionais: não chega uma
malnutrição de segunda apanha, porque só ascenderá a pobre excelentíssimo aquele
que coma apenas em dias alternados.
Olhem. Olhem para as primeiras páginas dos jornais da última semana e vejam
como estamos no bom caminho: "Taxa extra a pensionistas passa de 2500 pessoas
para mais de 272 mil" (DN), "IRS vai penalizar mais quem menos ganha" (DN), ou
"Ser mãe triplica a desigualdade" (JN).
De segunda a quarta, só detetei uma desgraçada notícia: "Cantinas abrem nas
férias para matar a fome" (JN). Abrem para matar a fome? Mas que pouca-vergonha
é esta? É o costume: lança-se a indústria nacional da pobreza e logo aparece
alguém a sabotar.
Felizmente, o Governo vela por nós. O Orçamento que preparou para 2013 vai
garantir o crescimento explosivo desta indústria de ponta. Afaste-se esta mania
tão portuguesa de dizer mal. Queremos mais pobres? Vamos consegui-los: é de
facto a indústria das indústrias.
Dirão os céticos: o Estado não gasta e tira-nos tudo o que pode e não pode.
Pois faz muito bem, e daqui lhe agradeço penhorado. Com essa atitude visionária,
reforça a unidade dos portugueses: quase todos seremos pobres e assim se acaba a
desigualdade de rendimentos.
Estou aliás ansioso pela próxima reunião com colegas estrangeiros. De forma
impertinente, costumam perguntar: "Aquilo em Portugal está mal, não está?".
Desta vez, direi impante: "Qual mal, qual carapuça!
Somos quase líderes na
criação de pobreza!". E, quando me olharem invejosos, rematarei com incontido
orgulho: "Não estavam à espera, pois não? Olhem, como se diz na minha terra:
tomem e embrulhem!".
Feliz Natal.
E, se não der maçada, sobrevivam.
Retirada daqui