quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

A CARTEIRA OU A VIDA

Durante mais de um ano, faziam-se apostas sobre quanto mais tempo duraria o ministro da Economia no Governo

Com um ministério megalómano, uma equipa que não havia escolhido, não conhecendo a economia portuguesa para além das estatísticas, inexperiente e inábil politicamente, Álvaro Santos Pereira deverá a sua continuidade como membro do Executivo a Miguel Relvas. 


Os sucessivos imbróglios que o envolviam, e a sua proximidade ao chefe do Governo, distraíram a opinião pública. Quando tudo parecia justificar uma remodelação, Passos Coelho recusou-se a fazê-la. E, assim, por interposta pessoa, lá se foi Santos Pereira aguentando. 

Escrevi, aqui, que talvez nunca viéssemos a saber se ele poderia ser um bom ministro da Economia, tal a dispersão de tarefas que lhe estavam confiadas. Quase um ano e meio depois, ei-lo que começa a fazer prova de vida. Terá sido esse o tempo para a aprendizagem, para olear a equipa, delegar competências. Foi esse o preço que tivemos de pagar pela teimosia do primeiro-ministro em criar uma estrutura impossível de gerir.

Há quem tenha deste despontar uma visão cínica. O ministro da Economia estaria, apenas, a recuperar a reputação, a marcar terreno, a criar mercado para si próprio, consciente de que o seu desalinhamento o mantém remodelável e/ou de que o barco governativo estaria irremediavelmente ferido. Seja qual for a motivação, das bandas da Horta Seca, sede do ministério, começaram a surgir propostas concretas e não apenas tiradas de agitação e propaganda. 

É certo que, como quase todos antes de si, Santos Pereira não resistiu a fazer mudanças cosméticas como as que se consubstanciam na "criação" do programa Portugal Sou Eu, uma plástica ao Compro o que é Nosso que pede meças à da Alexandra Lencastre (que, no entanto, não teve de mudar de nome depois da dita!). Estará perdoado se conseguir levar por diante a redução do IRC para novos investimentos, desenhar incentivos adequados à revitalização da economia, incluindo a reestruturação empresarial, aproveitar a questão do chamado banco de fomento para efectuar a reorganização das agências públicas dependentes do seu ministério.

Ao que se sabe, a sua proposta mais emblemática (a redução do IRC) terá encontrado obstáculos em Bruxelas. Numa Europa tudo menos harmonizada, em que países como a Holanda ou a Irlanda têm na fiscalidade um dos seus factores de competitividade, custa a perceber que se possa argumentar com a concorrência fiscal. 

Ao que se vai sabendo, os maiores problemas seriam o patamar mínimo estabelecido (3 milhões de euros) e o abranger apenas novos projectos. Num país carecido de investimento, a saída lógica parecia ser a generalização da medida a todos os novos investimentos criadores de emprego, fossem originários de novas empresas ou das já instaladas. 

A crer nos jornais, o ministro estaria disponível para o fazer mas já não o primeiro-ministro que terá argumentado que tal se traduziria numa quebra de receita do IRC de que não poderia abdicar. Passos Coelho faz lembrar a história do homem assaltado que, perante a ameaça "a carteira ou a vida", exclama "o dinheiro faz-me tanta falta"! Uma coisa é querer pôr as contas em ordem. 

A outra é fazer disso uma obsessão à qual tudo se sacrifica, acriticamente. Se não formos capazes de atrair investimento estrangeiro e de estimular as empresas já instaladas a investir, não estancaremos a hemorragia do desemprego e não endireitaremos as nossas contas sem uma perda ainda mais drástica de riqueza hipotecando, quiçá, a democracia. A incapacidade de perceber esta dinâmica, algo que parece comum ao Governo e aos governantes europeus, é confrangedora e pode acabar mal.

P.S. Todas as semanas, mais alguém vê o seu nome enxovalhado por uma certa comunicação social que não respeita nada nem ninguém, alimentada por pretensas fugas que, de tão repetidas, só podem ser rotinas instaladas. A complacência dos principais órgãos de soberania para com o assunto torna-os cúmplices de um processo que corrói o essencial da democracia. Que não se iludam: mais dia, menos dia, também lhes baterão à porta.

O autor escreve segundo a antiga ortografia

Retirada daqui