“O aspecto mais triste da vida actual é que a ciência ganha em conhecimento mais rapidamente do que a sociedade em sabedoria.” – Isaac Asimov
A lentidão processual institucional está banalizada.
O Cidadão reconhece os factos, sofre, tolera e procura meios e argumentos para confrontar as Autoridades responsáveis e, em tempo útil, obter resultados que satisfaçam as suas expectativas.
Nos processos clínicos, administrativos e judiciais relacionados com a Saúde/Doença, salientam-se alguns argumentos que subjazem à referida lentidão.
A Informação clínica é escassa, pouco objectiva, omissa ou ambígua e há grande dificuldade na sua obtenção.
A qualidade da informação médica não é convenientemente monitorizada e o conhecimento sobre Saúde e Doença não é proporcional à quantidade de informação que pulula nos mais diversos meios de comunicação.
A Medicina não é uma ciência exacta; as boas ou más práticas médicas não são únicas, nem universais; a padronização de juízos clínicos, atendendo às especificidades de cada ser Humano, é muito difícil de conseguir.
A Medicina liberal está em vias de extinção, substituída por uma prática cuja valoração depende de organizações e entidades colectivas não-médicas, com modelos empresariais de gestão clínica, que desvalorizam ou omitem as condições essenciais que conferem ao acto médico a sua qualidade ”humana”.
O Médico (defensor dos interesses da Saúde do “seu” Doente) e o Sistema (político-financeiro e de gestão, defensor de interesses materiais e lucrativos que secundarizam o Cidadão doente) conflituam.
A evolução tecnológica, em permanente desenvolvimento e marketizada por empresas cujo objectivo primeiro é o lucro, tem vindo a instalar o modelo médico-industrial/empresarial cujo primado não é, seguramente, o da Saúde do Cidadão ou o melhor tratamento e acompanhamento do seu estado de Doença.
O acto nobre da "consulta médica" está destituído do seu real valor em benefício de quantidades desmesuradas e incontroladas de produtos industriais e “exames complementares”.
A utilização de tecnologias de ponta é divulgada como melhor qualidade da prática médica e tal só será verdadeiro quando deva e possa aplicar-se à generalidade dos Cidadãos que delas necessitem e não apenas a uma margem da sociedade.
A cultura médica centrada no Doente está moribunda e violentamente condicionada pelos interesses económicos, financeiros, de gestão e políticos.
Sujeito às realidades referidas atrás, o Cidadão é, cada vez mais, confrontado com a necessidade de tomar decisões e co-assumir algumas responsabilidades, partilhando-as com o Médico em quem confia.
Esta confiança está minada por factores de ordem cultural, jurídica, social, organizativa, financeira, etc.. Estes, pela sua heterogeneidade e potenciados por equívocos decorrentes de muita informação e menos conhecimento, tornam cada Cidadão um putativo conhecedor e um emocional inquisidor das práticas médicas.
É legítimo, democrático e desejável, exercer a cidadania - questionando qualquer actividade desenvolvida na Sociedade. Mas não deixa de ser inconsequente ou arriscado fazê-lo sem argumentos consistentes.
A maioria dos Cidadãos é sensata e reconhece a sua limitação de conhecimentos na área da Saúde. E procura saber mais junto do "seu" Médico.
Porém, o “Sistema” vem destruindo esse activo estruturante da área da Saúde e atemoriza e despreza aqueles a quem devia dar condições e confiança para cumprirem e respeitarem a característica distintiva da sua actividade: o conhecimento e a sensibilidade humana.
A evolução dos padrões comportamentais e a mutação de valores da Sociedade contribui para uma menor capacidade de auto-regulação das classes profissionais, cujos profissionais estão pressionados a serem servidores de quem paga e não de quem sofre.
As Entidades responsáveis pela Regulação, preocupam-se mais com política, gestão, finanças e marketing - a ”excelência” está por todo o lado! - retirando o foco do seu “core business” que é o escrutínio e monitorização da qualidade e rigor do exercício dentro das respectivas classes profissionais.
O “Erro nos Sistemas de Saúde” está em contínuo e permanente escrutínio, pela Sociedade e pelos Meios de Comunicação.
A dominância institucional e a privação de autonomia e auto-regulação dos Médicos, por perda da sua condição liberal e destruição das "carreiras médicas", facilitam a ocorrência de “erros” que, em geral, são de responsabilidade Sistémica o que torna mais difícil a tarefa de identificação, prevenção e, também, acusatória.
“O erro é sobretudo a parte visível de um iceberg e, como tal, assinala causas estruturais que estão subjacentes ao sistema organizacional, nas suas diferentes dimensões” (in O Erro em Medicina – Ed. Almedina, 2004).
É ilusório considerar que se pode impedir o erro em saúde porque lidamos com factores incertos como o comportamento humano, a biologia e a diversidade cultural. Mas é realista e imperativo considerar que podemos tornar menos provável a sua ocorrência e, também, reduzir os seus efeitos indesejáveis, quando o erro acontece. Para tal, é necessário desenvolver uma cultura de prevenção primária do erro, a par de um comportamento, sistemático de monitorização, relato, análise, discussão e implementação de acções, mais dirigidas ao Sistema e menos vocacionadas para a culpabilização individual. Sem desvalorizar a responsabilização individual!
A responsabilização individual, por danos, só deve existir se provada uma acção culposa.
Há diversos instrumentos de avaliação e prevenção do erro. “Check-lists”, declarações obrigatórias de eventos, relatórios de ocorrências, estratificação de responsabilidades, registos de imagem e procedimentos, auditorias, análise de resultados, análise de morbilidade e mortalidade, avaliação de performance individual, avaliação de programas de treino, existência de uma hierarquia técnico-científica e profissional corresponsável pela prática clínica, etc..
Neste contexto, a 2.ª Opinião Médica, que pode ser materializada em Pareceres escritos e assinados, é um instrumento de apoio, consistente, quer na prevenção de ocorrências indesejáveis, quer na apreciação e opinião, à posteriori, sobre eventos cuja evolução ou resultado final não correspondeu às expectativas benignas dos procedimentos ou resultou em dano grave.
Associada a vários outros instrumentos de monitorização e prevenção do "Erro nos Sistemas de Saúde", cresce o entendimento de que a 2ª Opinião Médica é uma ajuda ao Cidadão e ao Sistema. Não sendo um instrumento de conflito, vem ganhando consistência, confiança e gerando expectativas positivas que justificam o crescendo de procura. Reforçado pela postura independente, isenta e centrada na avaliação descomprometida dos casos.
Também em processos relacionados com a Saúde/Doença o cabal esclarecimento, prévia ou posteriormente a um determinado evento, pode ser particularmente relevante para que sejam tomadas decisões que se pretendem, sempre, sejam “as melhores”.
É, pois, a 2.ª Opinião Médica, através de Pareceres, suportados por informação escrita, decorrente de muitos dos instrumentos já referidos e outros, uma forte componente de monitorização e, também, de estímulo para o desenvolvimento de práticas cujo objetivo principal é a clarificação e enquadramento, dos actos em Saúde, contribuindo para o controlo do “Erro em Saúde”, no sentido lato do conceito.
A problemática do Erro em Saúde, quer por atavismos, quer por corporativismos, quer por aculturação, quer por vícios processuais, etc., é, inquestionavelmente, um dos factores responsáveis pela lentidão processual no Sistema de Saúde.
Artigo escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico.
João Meira e Cruz (Coordenador Médico da Best Medical Opinion), aqui