quinta-feira, 29 de novembro de 2012

CARTA ÀS GERAÇÕES DO FUTURO DO MEU CONCELHO

Caros Amigos:

Na última edição do ‘Jornal da Bairrada’ foi divuldada uma comunicação da câmara municipal de Oliveira do Bairro que deu a conhecer uma sentença do tribunal que não deu razão a quem, há meia dúzia de anos atrás, pugnou pela preservação de um velho edifício que existia na cidade desde inícios do século XVIII, e onde funcionaram a câmara municipal e o juízo ordinário de Oliveira do Bairro.

Nessa comunicação foi dada imerecida importância à minha intervenção no procedimento revogatório do acto de classificação como imóvel de interesse concelhio: por me sentir lisonjeado com a deferência, entendo que é meu dever dirigir-me a todos vós, pronunciando-me sobre o assunto.

O que eu disse nessa minha intervenção é que deveria ter sido aberto o debate desta questão aos munícipes, principalmente à população académica, consultando-se técnicos de história, de arte, de arquitectura e de urbanismo, fazendo-se um relatório interdisciplinar final; e então, no caso de vir a concluir-se que essa era a melhor solução, que se concretizasse a demolição, assumindo-se as inerentes responsabilidades. Disse também que se assim não fosse, dar-se-ia uma prestimosa contribuição para a bem conhecida dificuldade de coabitação entre os portugueses e a História.

Por outras palavras, o que eu disse é que não era contra a demolição do edifício apenas por ser contra, mas porque entendia que essa demolição deveria ser devidamente ponderada, de forma isenta e sob o único ponto de vista que interessava equacionar - o do valor cultural do referido edifício, enquanto elemento da história e do património local, regional e nacional.

A razão da minha posição assentava, essencialmente, no facto de a classificação do edifício como sendo de interesse municipal ter por base um parecer técnico emitido de forma desinteressada e sem qualquer encargo para o município, ao passo que a desclassificação do edifício assentou num parecer técnico que foi encomendado pelo município, que por ele pagou a quantia de 5.000,00€! E era isto que punha em causa a credibilidade e a isenção ao dito parecer, que por isso não podia ser considerado como um documento exclusivamente técnico e justamente retribuído, mas sim como uma comissão de serviço científico remunerada segundo a conveniência de quem o encomendou e pagou, e o interesse económico do seu autor.

Desta minha perplexidade e em absoluta discordância técnica, científica e deontológica com este parecer partilhou também um conjunto de pessoas com credibilidade científica específica idêntica ou superior à do autor do dito parecer, (designadamente os Professores Doutores José Eduardo Horta Correia, António Manuel Hespanha e Paulo Varela Gomes, os Professores Doutores Arquitectos Walter Rossa, Renata Melcher de Araújo e Aurora Carapinha, a Professora Doutora Raquel Henriques da Silva, o Professor Arquitecto Alexandre Costa Alves e os Arquitectos Vítor Mestre e Nuno Ribeiro Lopes), e um espontâneo movimento cívico de 44 munícipes anónimos que, tal como eu, tinham em conta a valia patrimonial do edifício e por isso pugnavam pela sua preservação e pela manutenção da sua classificação como imóvel de interesse municipal.

Como vós, todos os demais alunos do ensino básico já sabem o que é património cultural, e que todos temos direito à fruição destes valores e bens, como modo de desenvolvimento da personalidade através da realização cultural; e também sabem que é um dever de todos preservar o património cultural, não atentando contra a integridade de bens culturais, porque a sua destruição é crime.  É por isso que para vocês é fácil perceberem por que razão tanta gente se envolveu nessa luta de defesa do património do nosso concelho, uma luta que no entanto acabou de forma inglória!

Muitos de vós hão-de vir a ser estudantes universitários em Coimbra; e quando aí estiverem e visitarem a grandiosa ‘Sala dos Capelos’, hão-de reparar que nas paredes dessa sala de actos solenes está patente uma galeria de retratos dos reis de Portugal até D. João IV, que prima pela ausência dos representantes da dinastia filipina; trata-se, obviamente, de uma verdade mal contada, porque a herança filipina em Portugal não pode ser apagada da história do nosso país. Foi pois, exactamente isso que aconteceu com a demolição do edifício da antiga casa da câmara e cadeia de Oliveira do Bairro – o apagamento de uma parte da história do nosso concelho!

Daqui a uns anos, todos vós hão-de perceber de forma ainda mais clara que esta decisão ofendeu a salvaguarda e valorização do património cultural, aquela que é uma das tarefas fundamentais do Estado. Nessa altura, procurem saber a razão pela qual não foi preservado o edifício mais antigo do municipalismo do concelho.

Aparecerá, certamente, alguém a dizer-vos que essa demolição era inevitável porque se tratava de um edifício que para além de muito degradado e muito mal localizado, era um obstáculo ao desenvolvimento e a requalificação urbana da nossa cidade; nessa altura, não receiem responder dizendo que essa é uma explicação que apenas serve para justificar teimosias de gente crescida, porque vocês sabem bem que apesar disso, a função desse edifício era a de servir de legado histórico para as gerações futuras, na medida em que, por ser único e insubstituível, deveria tornar-se num elemento essencial para o conhecimento da história de Oliveira do Bairro. Uma função que para além de natural era também eminentemente social, e que não havia cessado só porque o velho edifício onde funcionaram a câmara municipal e o juízo ordinário de Oliveira do Bairro era ridiculamente feio, e ostentava uma monumentalidade duvidosa e inequivocamente inestética - é que apesar disso, o dito edifício não deixara de ser um marco histórico do património cultural do concelho, já que era o único imóvel do tipo que, a nível nacional se encontrava registado no IPPAR – Instituto Português do Património Arquitectónico.

Jorge Mendonça
(Vereador não-executivo da Câmara Municipal de Oliveira do Bairro)

PS: Por decisão pessoal, o subscritor não escreve segundo as regras do novo acordo ortográfico