Caros Amigos:
Na última edição do ‘Jornal da Bairrada’ foi divuldada
uma comunicação da câmara municipal de Oliveira do Bairro que deu a conhecer
uma sentença do tribunal que não deu razão a quem, há meia dúzia de anos atrás,
pugnou pela preservação de um velho edifício que existia na cidade desde
inícios do século XVIII, e onde funcionaram a câmara municipal e o juízo
ordinário de Oliveira do Bairro.
O que eu disse nessa minha intervenção é que deveria ter
sido aberto o debate desta questão aos munícipes, principalmente à população
académica, consultando-se técnicos de história, de arte, de arquitectura e de
urbanismo, fazendo-se um relatório interdisciplinar final; e então, no caso de
vir a concluir-se que essa era a melhor solução, que se concretizasse a
demolição, assumindo-se as inerentes responsabilidades. Disse também que se
assim não fosse, dar-se-ia uma prestimosa contribuição para a bem conhecida
dificuldade de coabitação entre os portugueses e a História.
Por outras palavras, o que eu disse é que não era
contra a demolição do edifício apenas por ser contra, mas porque entendia que essa
demolição deveria ser devidamente ponderada, de forma isenta e sob o único
ponto de vista que interessava equacionar - o do valor cultural do referido
edifício, enquanto elemento da história e do património local, regional e
nacional.
A razão da minha posição assentava, essencialmente, no
facto de a classificação do edifício como sendo de interesse municipal ter por
base um parecer técnico emitido de forma desinteressada e sem qualquer encargo
para o município, ao passo que a desclassificação do edifício assentou num
parecer técnico que foi encomendado pelo município, que por ele pagou a quantia
de 5.000,00€! E era isto que punha em causa a credibilidade e a isenção ao dito
parecer, que por isso não podia ser considerado como um documento
exclusivamente técnico e justamente retribuído, mas sim como uma comissão de
serviço científico remunerada segundo a conveniência de quem o encomendou e
pagou, e o interesse económico do seu autor.
Desta minha perplexidade e em absoluta discordância
técnica, científica e deontológica com este parecer partilhou também um
conjunto de pessoas com credibilidade científica específica idêntica ou
superior à do autor do dito parecer, (designadamente os Professores Doutores
José Eduardo Horta Correia, António Manuel Hespanha e Paulo Varela Gomes, os
Professores Doutores Arquitectos Walter Rossa, Renata Melcher de Araújo e
Aurora Carapinha, a Professora Doutora Raquel Henriques da Silva, o Professor
Arquitecto Alexandre Costa Alves e os Arquitectos Vítor Mestre e Nuno Ribeiro
Lopes), e um espontâneo movimento cívico de 44 munícipes anónimos que, tal como
eu, tinham em conta a valia patrimonial do edifício e por isso pugnavam pela sua
preservação e pela manutenção da sua classificação como imóvel de interesse
municipal.
Como vós, todos os demais alunos do ensino básico já sabem
o que é património cultural, e que todos temos direito à fruição destes valores
e bens, como modo de desenvolvimento da personalidade através da realização
cultural; e também sabem que é um dever de todos preservar o património
cultural, não atentando contra a integridade de bens culturais, porque a sua destruição
é crime. É por isso que para vocês é
fácil perceberem por que razão tanta gente se envolveu nessa luta de defesa do
património do nosso concelho, uma luta que no entanto acabou de forma inglória!
Muitos de vós hão-de vir a ser estudantes
universitários em Coimbra; e quando aí estiverem e visitarem a grandiosa ‘Sala
dos Capelos’, hão-de reparar que nas paredes dessa sala de actos solenes está
patente uma galeria de retratos dos reis de Portugal até D. João IV, que
prima pela ausência dos representantes da
dinastia filipina; trata-se, obviamente, de uma verdade mal contada, porque a
herança filipina em Portugal não pode ser apagada da história do nosso país. Foi
pois, exactamente isso que aconteceu com a demolição do edifício da antiga casa
da câmara e cadeia de Oliveira do Bairro – o apagamento de uma parte da
história do nosso concelho!
Daqui a uns anos, todos vós hão-de perceber de forma ainda
mais clara que esta decisão ofendeu a salvaguarda e valorização do património
cultural, aquela que é uma das tarefas fundamentais do Estado. Nessa altura, procurem
saber a razão pela qual não foi preservado o edifício mais antigo do
municipalismo do concelho.
Aparecerá, certamente, alguém a dizer-vos que essa
demolição era inevitável porque se tratava de um edifício que para além de muito
degradado e muito mal localizado, era um obstáculo ao desenvolvimento e a
requalificação urbana da nossa cidade; nessa altura, não receiem responder
dizendo que essa é uma explicação que apenas serve para justificar teimosias de
gente crescida, porque vocês sabem bem que
apesar disso, a função desse edifício era a de servir de legado histórico
para as gerações futuras, na medida em que, por ser único e insubstituível, deveria
tornar-se num elemento essencial para o conhecimento da história de Oliveira do
Bairro. Uma função que para além de natural era também eminentemente social, e
que não havia cessado só porque o velho edifício onde funcionaram a câmara
municipal e o juízo ordinário de Oliveira do Bairro era ridiculamente feio, e ostentava
uma monumentalidade duvidosa e inequivocamente inestética - é que apesar disso,
o dito edifício não deixara de ser um marco histórico do património cultural do
concelho, já que era o único imóvel do tipo que, a nível nacional se encontrava
registado no IPPAR – Instituto Português do Património Arquitectónico.
Jorge Mendonça
(Vereador
não-executivo da Câmara Municipal de Oliveira do Bairro)
PS:
Por decisão pessoal, o subscritor não escreve segundo as regras do novo acordo
ortográfico