Há clubes que, ano após ano, numa fase adiantada ou mais prematura do
campeonato, o dão por perdido mas anunciam a sua convicção de que "para o ano é
que vai ser!".
Na política, ocorre algo semelhante. Ainda há pouco tempo,
confrontado com os dados de 2012, Passos Coelho anunciava que para o ano
começaríamos a crescer. Isso foi, evidentemente, antes de descer à terra e de
ter começado a fazer-nos descer aos infernos. Agora, quando alguém diz "para o
ano é que vai ser!" o tom é tudo menos optimista, prenuncia dificuldades,
desesperança.
Com todos os ziguezagues e cambalhotas que o PM e o ministro das Finanças têm
protagonizado, é um risco escrever por antecipação sobre o orçamento que vai ser
apresentado. Se o chefe do Executivo continuar a ver e ouvir, terá reparado que
as simulações feitas com os escalões pré-anunciados contradizem o seu discurso
sobre a partilha mais equitativa do sacrifício. É a classe média, incluindo
aquela que foi fiscalmente promovida a "rica", a que não apenas continua a pagar
a maior factura, como a vê agravar mais, enquanto os rendimentos acima dos 150
mil euros serão os que sofrem o menor aumento percentual. Somem-se alguns
absurdos como, por exemplo, um solteiro ser menos penalizado do que quem tem um
filho e este menos do que quem tem dois, e somos levados a concluir que, para
haver coerência, há muito a corrigir. A não ser que o discurso seja hipócrita e
seja mesmo assim que se pretende que seja: nos dois últimos escalões
concentra-se o grosso das famílias contribuintes, que são também responsáveis
por uma percentagem significativa de consumo, dos quais uma parcela elevada é
importada. Ora a lógica de actuação do Governo é a de conter as importações,
controlando a procura, e rezar para que os empresários se esfalfem e aumentem as
exportações. Com maior ou menor dificuldade, do lado das empresas cumpre-se. Ao
Governo resta estrangular, fiscalmente, quem gasta. Incapaz de pôr a sua casa em
ordem ou, ao menos, de tornar claras as opções, o Executivo vinga-se nos
cidadãos e na economia. Numa perspectiva contabilística não se estão a sair mal:
caminhamos rapidamente para o equilíbrio da balança de transacções correntes,
isto é, não acumulamos dívida perante o exterior. Talvez por isso, Gaspar tenha,
em Tóquio, falado de novas fontes de financiamento da economia que não apenas o
recurso aos mercados. Estimular a poupança interna é uma boa base de partida
pelo que seria de prever medidas de incentivo ao aforro. Mais uma vez, o
orçamento anunciado é incoerente: agrava-se a tributação dos depósitos sem
salvaguardar, sequer, as pequenas economias. Resta esperar que, como sucedeu com
o IMI, alguém dê pela incongruência.
Estas e outras sugestões são, apenas, medidas avulsas. Remendos. Falta uma
visão partilhada que dê sentido a todos estes esforços. Sugeri que se começasse
por um pacto tributário comprometendo partidos e parceiros sociais e envolvendo
os mais abonados da sociedade. Um pacto sem datas, mas com compromissos: qual a
despesa pública, por função, abaixo da qual não se descerá e se está disposto a
financiar pelos impostos; atingido um determinado valor do défice quais os
impostos que seriam reduzidos e em que proporção; etc. Prioridades e valores,
associada a uma informação clara, a cargo de uma entidade da sociedade civil
como a Sedes ou a Fundação Francisco Manuel dos Santos. Para que possamos voltar
a dizer, com esperança, para o ano é que vai ser!
Retirada daqui