
A expressão usada pelos especialistas para retratar o galopante avanço do
número de pessoas que vivem no limiar da dignidade, ou já abaixo dele, chega a
doer.
Chamam-lhe "democratização da pobreza", querendo com isso significar que a
quantidade de portugueses em processo de empobrecimento é assustadora. Já não
contam as qualificações, o facto de se ter habitação própria ou acesso a outros
níveis de conforto. "O pobre já não é o grupo social que gozava de má imagem e a
quem todos os pecados eram atribuídos", diz ao JN Ana Cardoso, do Centro de
Estudos para a Intervenção Social.
O fenómeno é grave e tende a crescer. Há dois anos, apenas há dois anos, José
Sócrates, ufano como quase sempre, apontava a redução do número de pobres (de 2
milhões para 1,8 milhões) como um indicador do sucesso do seu Governo. Dois anos
depois, apenas dois anos depois, estamos confrontados com este descalabro, que
obviamente mina a base social de qualquer país, que destrói vidas atrás de
vidas, que desfaz elos de solidariedade, porque os tempos de agrura e amargura
são sempre fonte de individualismo: as necessidades dos outros, por mais básicas
que sejam, passam a estar (mais) longe das preocupações de quem, primeiro, quer
garantir a sua própria sobrevivência.
Chegámos já ao ponto mais alto deste fenómeno? Longe disso. Mais de um terço
dos nossos concidadãos vivem na pobreza, mas, mostram os números do Instituto
Nacional de Estatística relativos ao ano passado, 42,5% (quase 5 milhões de
pessoas!) estariam lá perto se não beneficiassem das transferências do
Estado.
Ora, transferências do Estado há, hoje, cada vez menos e haverá, no futuro,
cada vez menos. Os apoios sociais têm sido sacrificados em nome do défice, o
peso brutal do desemprego faz tremer a balança da Segurança Social, a capacidade
de o Estado acudir aos mais necessitados recua cada vez que é preciso fazer
contas de subtrair para amealhar mais uns milhões de euros. Ou seja: as
transferências do Estado deixarão de ser, muito em breve, a almofada de muita
gente necessitada.
Acresce que, ultrapassada a barreira da fadiga tributária, para citar Adriano
Moreira, o Estado atacará, de seguida, nas funções sociais que presta. Está a
chegar o tempo em que seremos chamados a pagar mais pelos cuidados de saúde e
pela educação dos nossos filhos. A pobreza caminha para a total
"democratização". Vale o mesmo dizer: o país caminha, perigosamente, para o
caos.
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