sexta-feira, 28 de setembro de 2012

'ÁRDUAS ESPERANÇAS'

É possível que o primeiro-ministro já tenha percebido o poço em que está metido.

O primeiro-ministro mudou de discurso desde a famosa sexta-feira negra da TSU. Passou daquela espécie de arrogância moral (a litania da pobreza expiatória, do “estamos assim porque merecemos”) à revelação das suas dores comungadas com o resto da população. 


Ontem, na homenagem ao prof. Adriano Moreira, Passos Coelho socorreu-se d’“Os Lusíadas”, um recurso comum do discurso público português. Mas é interessante ver a parte que Passos Coelho escolheu: “Daqui fomos cortando muitos dias/Entre tormentas tristes e bonanças/No largo mar fazendo novas vias/Só conduzidos de árduas esperanças” Passos escolheu-a bem – é verdade que andamos todos à deriva, governo incluído –, mas a sua escolha revela que a sua única estratégia é, efectivamente, a “árdua esperança”. 

O governo põe em prática o plano da troika conduzido por uma “árdua esperança”, um desejo de milagre, de uma sorte danada, de uma vitória no Euromilhões. Como estratégia, é um susto.

Quando Passos Coelho passa à análise do texto, a coisa não melhora: “Camões fala-nos aqui de uma corrente que nos arrasta para trás e que é mais poderosa do que os ventos que nos impelem para a frente. Mas, hoje em Portugal, se é certo que não podemos subestimar a corrente em que o navio português foi posto – até porque estamos todos os dias a sentir dolorosamente a sua força –, também temos de reconhecer que há ventos favoráveis a soprar nas nossas velas”. 

Ora, qual é a força dos “ventos favoráveis” (existem onde?) perante a metáfora, muito bem escolhida por Passos Coelho, da “corrente que nos arrasta para trás e que é mais poderosa do que os ventos que nos impelem para a frente”? Como já se tinha percebido antes da revelação do desastre da execução orçamental, o governo fez contas tendo por base a fé na religião popular no colégio de Frankfurt onde Vítor Gaspar foi educado.


E da invocação deste trecho d’“Os Lusíadas” é possível deduzir que o primeiro-ministro já percebeu o poço em que está metido. Já não lhe resta nada, apenas uma profissão de fé em que os “ventos” venham a ser “mais favoráveis” quanto “mais resistentes forem as nossas velas” e também “firmes” e “hasteadas” as “velas da nossa economia”, “leis”, “instituições”, “mas também da nossa vontade e da nossa determinação”. 

Passos não sabe como hastear as velas da economia e, neste momento, o seu programa é fazer figas contra “a corrente que nos arrasta para trás”. 

É muito mau.

Ana Sá Lopes, aqui