O actual mapa administrativo começou a
ser desenhado em 1830, mantendo-se praticamente inalterado, há mais de 180 anos.
Assim sendo, o que tem de concluir-se, é
que estamos no século XXI, com uma organização administrativa que, em bom
rigor, já não está ao serviço dos interesses do país e das populações.
Hoje em dia, os municípios são cada vez
mais vistos como unidades de negócio que têm que desenvolver a sua estratégia
de atracção de investimentos, e estimular a localização industrial.
Mas,
para isso, têm que ter escala, e dimensão!
Quanto às freguesias, o problema é algo diferente: não obstante a
possibilidade de delegação de competências por parte dos municípios, um grande número
de freguesias não tem capacidades técnicas, nem meios que lhes permitam exercer
o seu poder, na proximidade das comunidades locais.
E
por isso, não obstante a sua autonomia relativamente aos municípios, o
quotidiano dos presidentes de junta, é um diário ‘estender de mão’ às câmaras
municipais, em permanente condicionamento do livre exercício do seu mandato.
Por isso mesmo, é inegável que alguma
coisa haja a fazer para alterar este estado das coisas.
Do meu ponto de vista, essa estratégia
passa, necessariamente, pela formação de espaços administrativos com maior dimensão.
Nivelando-se
por cima a massa crítica, a escala, e a dimensão humana da organização
administrativa do país.
Desta
forma, aumentará, não só a capacidade reivindicativa mas também a qualidade de vida
das populações.
Essencial para esta alteração é a
criação das regiões administrativas com dirigentes escolhidos
por sufrágio eleitoral, pois só assim o território nacional, ficará dotado de
um patamar de decisão intermédio, acima do poder local municipal, e abaixo do
poder central nacional.
Um nível de decisão que, do meu
ponto de vista, me parece indispensável
para a condução de políticas transversais, nomeadamente na educação, na saúde,
no ambiente, no turismo, nas infra-estruturas, na atracção de investimento, nos
transportes ou na cultura.
Um remodelação que conduzirá, necessariamente, à fusão de câmaras
municipais e à agregação de juntas de freguesia!
São
estas, em suma, as razões pelas quais, do meu ponto de vista, se impõe, até por
necessidade, uma remodelação administrativa que responda aos desafios do futuro,
e que por isso mesmo, não seja complacente com as aventuras do passado.
Uma
reorganização administrativa da qual não pode estar dissociada uma mudança de
comportamentos e atitudes, norteada pela lição de John Kennedy que dizia que “a mudança é a lei da vida; e aqueles que
apenas olham para o passado ou para o presente, irão com certeza perder o
futuro”.
* * *
Como sabemos, a história e a identidade
das comunidades, é um processo mutável, evolutivo e dinâmico, e a realidade da
sociedade dos dias de hoje, não se compadece com bairrismos nem com ‘conflitualidade de tradições’.
Mas isto não pode significar o desprezo
pelo sentimento de pertença identitária das gentes de cada lugar, de cada
freguesia, e de cada concelho!
É que, como sabemos, toda e qualquer
agregação, é potencialmente geradora de expectável divergência e
conflitualidade social.
E isto acontece, porque a perspectiva da
agregação de autarquias -câmaras municipais e juntas de freguesia- sejam elas quais forem e sejam quais forem
os critérios utilizados, determinará sempre, um sentimento de subordinação,
gerador de uma nada interessante perturbação do clima de serenidade e de paz
social existente, e que nenhum interesse justifica que seja beliscado.
E
por isso, pese embora a sua evidente
necessidade, as alterações inerentes a
uma reforma administrativa, têm que ser muito amadurecidas e ponderadas, e as populações têm de
estar muito bem informadas e esclarecidas.
E o que me parece
que está a acontecer, é que há muita gente com muita responsabilidade, esquecida,
que no âmbito das suas competências,
todos os eleitos, locais ou não,
estão vinculados ao cumprimento de normas, constitucionais e legais, relativas
à defesa dos interesses e direitos dos cidadãos.
E entre estas normas, há uma que, na minha modesta opinião, não está a ser tida
nem achada em todo este processo.
Veja-se o que diz o
artigo 48º da Constituição da República:
O nº 1 diz que «Todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na
direcção dos assuntos públicos do país, directamente ou por intermédio de
representantes livremente eleitos»
E o nº 2 diz o seguinte: «Todos os cidadãos têm o direito de ser
esclarecidos objectivamente sobre actos do Estado e demais entidades públicas e
de ser informados pelo governo e outras autoridades acerca da gestão dos
assuntos públicos».
Perante
isto, pergunto:
?Estão os munícipes do nosso concelho devidamente
esclarecidos quanto aos princípios e parâmetros da reorganização territorial
autárquica?
?São os fregueses das nossas freguesias conhecedores
dos objectivos dessa remodelação administrativa?
?Enquanto eleitos locais, temos todos conhecimento da
sensibilidade dos nossos eleitores, relativamente à legislação aprovada e da
implicação do respectivo âmbito no dia a dia de cada um?
?Enquanto representantes dos nossos eleitores estamos
conscientes da direcção por eles pretendida quanto a este assunto?
?Estamos todos conscientes, enquanto eleitos, que ao
exercermos o nosso voto, não expressamos a nossa vontade, mas sim a vontade de
quem nos elegeu?
?Quando em 2009 nos foi conferido o mandato que agora
exercemos, algum dos nossos eleitores depositou em nós o seu voto de confiança
para participar e decidir sobre esta questão?
?Quando há 3 anos, os Senhores autarcas das
Freguesias, se apresentaram parente os eleitores, pediram-lhes um voto
confiança para gerir, ou para agregar as vossas freguesias?
?Estaremos todos conscientes que aquilo que nos está a
ser pedido para fazermos em três meses, não foi feito pelos nossos governos em
mais de 180 anos?
* * *
A população do nosso concelho entregou a
gestão das nossas 6 freguesias a candidatos eleitos pelas listas dos partidos que,
em coligação, formam hoje o governo da nossa república.
No programa eleitoral que apresentou para
as últimas eleições legislativas, um destes partidos (PPD/PSD) propôs-se
avançar para uma descentralização
administrativa defendendo que em relação à mesma é fundamental estabelecer uma racionalidade participada
pelos municípios e pelas populações.
Pergunto:
?Podemos,
em consciência, afirmar que a agregação do número de freguesias do nosso
concelho foi previamente participada pelos nossos fregueses?
?E
assim sendo, colocados perante esta questão da agregação de freguesias, não
será que só cumpriremos a nossa obrigação se a nossa posição reflectir aquele
que, em consciência, é o sentimento dos nossos fregueses?
Por sua vez, no manifesto eleitoral que
apresentou, o outro partido (CDS-PP) defendeu que para a reforma do mapa administrativo seria garantida a audição da
população.
Pergunto:
?Podemos,
em consciência, dizer que a reestruturação administrativa aprovada, foi
precedida da audição das nossas populações?
?E
por isso, não estando nós a emitir opinião sobre um normal acto de gestão
corrente, não terá a nossa posição que ser firme e sem margem para qualquer dúvida?
* * *
Os
grandes momentos da história fazem-se sempre com a união de todos, desde que as
semelhanças sejam maiores que as diferenças.
E hoje, o que aqui interessa vincar, não
são as diferenças que nos separam, mas sim o que, neste caso concreto, nos une nossos
enquanto fregueses das nossas freguesias;
É por isso que quando formos chamados a tomar
posição sobre esta situação, a nossa obrigação é manifestarmos a vontade de
quem nos elegeu, e não a nossa própria vontade…
Parece não haver quaisquer dúvidas que
estamos perante uma lei que é perversa.
?E se a lei é perversa para com eleitos e eleitores, porque não hão-de estes ser igualmente perversos para com a lei, avançando com uma pronúncia que seja premeditada e ostensivamente desconforme, e que, por exemplo, passe pela indicação de uma única freguesia em lugar das duas a que a lei obriga?
A pronunciarmo-nos deste modo, nunca poderemos ser acusamos de ausência de pronúncia; é verdade que será uma pronúncia em desconformidade com a lei, mas será a nossa pronúncia sobre a questão, e só por isso, o processo ficará invertido!
?E se a lei é perversa para com eleitos e eleitores, porque não hão-de estes ser igualmente perversos para com a lei, avançando com uma pronúncia que seja premeditada e ostensivamente desconforme, e que, por exemplo, passe pela indicação de uma única freguesia em lugar das duas a que a lei obriga?
A pronunciarmo-nos deste modo, nunca poderemos ser acusamos de ausência de pronúncia; é verdade que será uma pronúncia em desconformidade com a lei, mas será a nossa pronúncia sobre a questão, e só por isso, o processo ficará invertido!
Porque à face da lei, são absolutamente claras
as diferenças entre as consequências de uma ausência de pronúncia e de uma pronúncia
desconforme:
Uma
ausência de pronúncia atribui à
Unidade Técnica o direito de apresentar directamente à Assembleia da República
uma proposta concreta de reorganização administrativa;
Uma
pronúncia desconforme impõe à Unidade
Técnica a obrigação de propor à Assembleia Municipal um projecto de
reorganização administrativa do território das freguesias.
E nessa altura, cá estaremos para
esgrimir argumentos e, na defesa dos interesses dos nossos fregueses,
apresentar um projecto alternativo.
Afinal, foi a isso que nos comprometemos
quando, na nossa tomada de posse, jurámos todos, solenemente e pela nossa honra,
desempenhar com lealdade as funções que nos foram confiadas.
Pela minha parte, honrarei esse
juramento!
Ainda que para isso tenha de renunciar,
àquela que é a minha perspectiva pessoal, de necessidade de reforma do actual
mapa administrativo;
Uma reforma que tem de assentar nos
princípios da defesa do serviço às populações, da optimização do investimento,
do efectivo exercício das competências e do combate ao desperdício;
Uma reforma que permita ganhos de
eficiência, e massa crítica, mas que não ponha em causa a identidade local, nem
fomente a acrimónia entre freguesias;
Uma reforma que, em suma, entendo
necessária mas à qual, em consciência, não posso aderir porque não sinto que seja
essa a vontade de quem represento.
* Intervenção apresentada no Debate realizado em 22 de Junho
de 2012, realizado por iniciativa do presidente da assembleia municipal de Oliveira do Bairro.