Embora possa passar despercebido,
a 28 de Novembro deste ano, ocorre o 40º aniversário do Decreto–Lei nº 482 do
Ministério da Educação Nacional presidido por José Veiga Simão que determinou “(…) para vigorar a partir do ano lectivo de
1973-74, o restabelecimento da Coeducação no ensino primário e a sua
instituição no ciclo preparatório do ensino secundário”.
A maior parte das pessoas, incluídos os professores,
estão convencidas que a mudança na organização escolar se deveu ao 25 de Abril,
mas, e apesar de os efeitos do citado decreto se terem feito sentir após a
Revolução, de facto, não foi assim. Também pensam, numa visão simplista, que
antes, a educação sempre tinha sido diferenciada por género e que, depois,
deixou de o ser.
Aqueles que andam pelos 50 anos ou mais, recordam talvez os seus anos nalguma escola primária das que foram construídas na década de 40 a 50 do século passado, no âmbito dos Centenários da Fundação de Portugal e da Restauração, normalmente um edifício gémeo com entradas separadas por sexos e um longo e alto muro de granito que dividia os recreios. Também não é verdade: existem muitos edifícios do mesmo género pelo país apenas com uma sala.
Como recordo no meu livro “Entre o Tabu e o Sucesso. O
caso da Educação Diferenciada por Género”, a coeducação sempre foi alternativa,
por razões económicas, quando os alunos eram poucos quer no ensino primário,
quer no secundário. Aliás, apenas em algumas capitais de distrito havia liceus
femininos e masculinos. Por exemplo, em Famalicão, onde vivo, o Liceu Camilo
Castelo Branco era misto. Outros, como o Liceu de V.N. Gaia ou o Alberto
Sampaio, em Braga, optavam por turmas diferenciadas, como se fez, até bastante
tarde, com a Educação Física e os Trabalhos Manuais. Daí que o decreto fale de
“restabelecimento” da coeducação e não de introdução da mesma, tendo em conta
que sempre existiu, dependendo
das condições demográficas.
Passados
40 anos, vale a pena recordar e refletir sobre os argumentos e fatores dessa
mudança de organização escolar:
a) A experiência “francamente positiva”
nas escolas onde tinha sido praticada a Coeducação, por força das
circunstâncias ou por experiência pedagógica, e a de outros países onde se
estava a generalizar com resultados satisfatórios;
b) A Igualdade: “A evolução
social tende a situar homens e mulheres lado a lado com equivalência de
direitos e deveres, na família, no trabalho e em geral na vida quotidiana”;
c) A Socialização: “Convém pois que as crianças se habituem, desde os
primeiros anos de escolaridade, a uma situação (…) em que rapazes e raparigas
cresçam numa sã convivência”, o que leva a esperar “um maior equilíbrio para personalidade de cada
indivíduo e uma melhor preparação para assumir o seu futuro papel na sociedade”;
e) A esperança de que a
Coeducação “ (…) valorizará o clima moral da escola,” e de que
supusesse “uma maior aproximação entre mestres e alunos, bem como entre a
escola e a família”;
f) “Quando se verifiquem
disparidades entre as linhas de crescimento psicológico dos dois sexos, um
atento ensino individualizado será necessário e suficiente (…)” e com “(…)
novas técnicas pedagógicas onde tenham lugar a participação activa, o espírito
criador e a atitude de colaboração” (Ministério da Educação Nacional, 1972).
É certo que a Coeducação generalizada
constituiu um instrumento de Igualdade, sobretudo no que se refere ao acesso
das raparigas à escolaridade, mas será que os objetivos de Veiga Simão foram
atingidos? Não é verdade que as raparigas continuam a não ter acesso aos mesmos
postos e salários que os seus colegas? Porque será que os rapazes apresentam
maiores índices de abandono e insucesso em todos os países da OCDE? Respeita-se
ou tem-se em conta o ritmo de crescimento psicológico e diferente modo de
aceder à aprendizagem dos dois sexos? O clima moral da escola melhorou, de
facto?
Estas são perguntas em que valeria a pena refletir ao fim destes 40
anos. Não talvez com o objetivo de pôr em causa o status quo, mas para aprender
e aprofundar na experiência e argumentos ideológicos, psicológicos,
axiológicos, logístico/económicos, pedagógicos e institucionais brandidos pelos
partidários de cada um dos modelos, assim como nas concepções da sociedade e de
género subjacentes a estas opções educativas.
Freitas, A. (2011). Entre o Tabu e o Sucesso. O caso da Educação
Diferenciada por Género. Porto: Papiro Editora.
Ministério da Educação Nacional
(1972). Decreto-Lei nº 482/72 de 28 de Novembro. DR 1ª série, nº 277. Consultado
a 15-12-2009. em http://dre.pt/pdf1sdip/1972/11/27700/17851786.pdf.
Maria Amélia Freitas, no 'Jornal da Bairrada' de 24 de Maio de 2012