domingo, 27 de maio de 2012

REFLETIR SOBRE 40 ANOS DE COEDUCAÇÃO

Embora possa passar despercebido, a 28 de Novembro deste ano, ocorre o 40º aniversário do Decreto–Lei nº 482 do Ministério da Educação Nacional presidido por José Veiga Simão que determinou “(…) para vigorar a partir do ano lectivo de 1973-74, o restabelecimento da Coeducação no ensino primário e a sua instituição no ciclo preparatório do ensino secundário”.
A maior parte das pessoas, incluídos os professores, estão convencidas que a mudança na organização escolar se deveu ao 25 de Abril, mas, e apesar de os efeitos do citado decreto se terem feito sentir após a Revolução, de facto, não foi assim. Também pensam, numa visão simplista, que antes, a educação sempre tinha sido diferenciada por género e que, depois, deixou de o ser.


Aqueles que andam pelos 50 anos ou mais, recordam talvez os seus anos nalguma escola primária das que foram construídas na década de 40 a 50 do século passado, no âmbito dos Centenários da Fundação de Portugal e da Restauração, normalmente um edifício gémeo com entradas separadas por sexos e um longo e alto muro de granito que dividia os recreios. Também não é verdade: existem muitos edifícios do mesmo género pelo país apenas com uma sala.

Como recordo no meu livro “Entre o Tabu e o Sucesso. O caso da Educação Diferenciada por Género”, a coeducação sempre foi alternativa, por razões económicas, quando os alunos eram poucos quer no ensino primário, quer no secundário. Aliás, apenas em algumas capitais de distrito havia liceus femininos e masculinos. Por exemplo, em Famalicão, onde vivo, o Liceu Camilo Castelo Branco era misto. Outros, como o Liceu de V.N. Gaia ou o Alberto Sampaio, em Braga, optavam por turmas diferenciadas, como se fez, até bastante tarde, com a Educação Física e os Trabalhos Manuais. Daí que o decreto fale de “restabelecimento” da coeducação e não de introdução da mesma, tendo em conta que sempre existiu, dependendo das condições demográficas.
Passados 40 anos, vale a pena recordar e refletir sobre os argumentos e fatores dessa mudança de organização escolar:
 a) A experiência “francamente positiva” nas escolas onde tinha sido praticada a Coeducação, por força das circunstâncias ou por experiência pedagógica, e a de outros países onde se estava a generalizar com resultados satisfatórios;
b) A Igualdade: “A evolução social tende a situar homens e mulheres lado a lado com equivalência de direitos e deveres, na família, no trabalho e em geral na vida quotidiana”;
c) A Socialização: “Convém pois que as crianças se habituem, desde os primeiros anos de escolaridade, a uma situação (…) em que rapazes e raparigas cresçam numa sã convivência”, o que leva a esperar “um maior equilíbrio para personalidade de cada indivíduo e uma melhor preparação para assumir o seu futuro papel na sociedade”;
e) A esperança de que a Coeducação “ (…) valorizará o clima moral da escola,” e de que supusesse “uma maior aproximação entre mestres e alunos, bem como entre a escola e a família”;
f) “Quando se verifiquem disparidades entre as linhas de crescimento psicológico dos dois sexos, um atento ensino individualizado será necessário e suficiente (…)” e com “(…) novas técnicas pedagógicas onde tenham lugar a participação activa, o espírito criador e a atitude de colaboração” (Ministério da Educação Nacional, 1972).
 É certo que a Coeducação generalizada constituiu um instrumento de Igualdade, sobretudo no que se refere ao acesso das raparigas à escolaridade, mas será que os objetivos de Veiga Simão foram atingidos? Não é verdade que as raparigas continuam a não ter acesso aos mesmos postos e salários que os seus colegas? Porque será que os rapazes apresentam maiores índices de abandono e insucesso em todos os países da OCDE? Respeita-se ou tem-se em conta o ritmo de crescimento psicológico e diferente modo de aceder à aprendizagem dos dois sexos? O clima moral da escola melhorou, de facto?
Estas são perguntas em que valeria a pena refletir ao fim destes 40 anos. Não talvez com o objetivo de pôr em causa o status quo, mas para aprender e aprofundar na experiência e argumentos ideológicos, psicológicos, axiológicos, logístico/económicos, pedagógicos e institucionais brandidos pelos partidários de cada um dos modelos, assim como nas concepções da sociedade e de género subjacentes a estas opções educativas.
Freitas, A. (2011). Entre o Tabu e o Sucesso. O caso da Educação Diferenciada por Género. Porto: Papiro Editora.
Ministério da Educação Nacional (1972). Decreto-Lei nº 482/72 de 28 de Novembro. DR 1ª série, nº 277. Consultado a 15-12-2009. em http://dre.pt/pdf1sdip/1972/11/27700/17851786.pdf.

 
Maria Amélia Freitas, no 'Jornal da Bairrada' de 24 de Maio de 2012